O novo Meirelles de Lula
Entrevista do presidente do BC abre caminho para acordo de convivência em um possível novo governo do PT
Em entrevista à jornalista Miriam Leitão, da Globonews, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, fez o primeiro gesto de trégua do mercado financeiro na hipótese de vitória de Lula da Silva nas eleições de outubro. A jornalista perguntou se o mercado já havia assimilado (ou “precificado” no idioma da Avenida Faria Lima) um novo governo do PT. A resposta de Campos Neto é um exercício de cautela otimista dita em idioma ‘farialimês’:
“O que a gente pode comentar é o que a gente captura dos preços de mercado. E nos preços de mercado o que tem acontecido mais recentemente é uma eliminação de vários preços que mostram o risco da passagem de um governo para outro. Mais recentemente, a gente vê, quando olha esses preços, é que eles atenuaram. Caíram um pouco. Significa que o mercado passou a ser menos receoso da passagem de um governo para outro. Isso é o que a gente pode interpretar. Porque provavelmente um governo que representava um risco de cauda, com medidas mais extremas, está se movimentando para o centro. Essa é a nossa interpretação do que a gente captura de preços de mercado. Lembrando que o Banco Central ganhou a posição de autonomia exatamente para ter independência entre o ciclo político e os ciclos de política monetária. Não cabe fazer comentários sobre o que seria cada candidato. Então na nossa interpretação, olhando os preços de mercado, ele removeu um pouco o risco da passagem de um governo para outro. Mas na nossa interpretação é muito cedo ainda, muitas coisas devem acontecer ainda ao longo do processo eleitoral”.
Em português, Campos Neto disse que as projeções do mercado são de uma transição sem sobressaltos entre o governo Bolsonaro e uma eventual gestão Lula em função dos anúncios de moderação do PT (não contestar a independência do BC, ter um conservador como Geraldo Alckmin como candidato a vice e dar rumo à política externa).
O texto de Campos Neto é uma resposta a Lula, que no mês passado jogou no lixo as especulações de que seu governo tentaria reverter a emenda que deu independência ao BC. Disse Lula:
“As pessoas (os economistas da esquerda do PT) colocam obstáculos no tal do Banco Central Independente. Esse Banco Central tem que ter compromisso é com o Brasil, não é comigo. ‘Ah, ele vai ter meta de inflação’… Vamos colocar meta de emprego, meta de crescimento econômico também. Vamos comprometer com alguma coisa positiva. E quem é que tem que chamar o cara (Campos Neto) para conversar? Sou eu. Pode ficar certo, eu não conheço, mas a hora que eu ganhar: ‘vem cá, vamos conversar um pouquinho aqui meu, vamos discutir o Brasil’. Numa boa”.
Na prática, a manutenção de Campos Neto no BC significa para um terceiro governo Lula o mesmo efeito que Henrique Meirelles teve nos dois primeiros. Ex-presidente internacional do BankBoston, Meirelles assumiu o BC em 2003 quando todo o mercado apostava que o PT daria um calote da dívida pública. Foi a sua entrada, junto com a de outros economistas ortodoxos como Marcos Lisboa e Joaquim Levy, que diminuiu a tensão. Na véspera da posse de Lula, o risco país (indicador que mede a percepção dos investidores sobre a capacidade de uma nação pagar suas dívidas) estava em 1446 pontos. Um ano depois, caiu para 468 pontos.
Três ex-ministros que trabalham no programa econômico do eventual governo do PT contaram que a declaração de Lula a favor de Campos Neto mudou a relação com o mercado. “Campos Neto foi diretor do Santander antes de ir pro governo, é um cara do mercado. Provavelmente nós nunca o teríamos escolhido, mas se a lei diz que ele tem mandato até 2024, então ele vai ficar até 2024. Esse debate já está superado”, disse um ex-ministro.
Outro economista petista foi mais direto: “que medo o mercado pode ter do governo Lula se com o BC eles controlam a política de juros e de câmbio? Não tem por que ter medo”.
O terceiro ex-ministro foi mais sarcástico: O mercado elegeu o Bolsonaro acreditando que o Paulo Guedes ia ser o ministro dos sonhos. Mas quem explodiu o teto de gastos foram eles, quem está promovendo uma farra de gastos através do Orçamento secreto foram eles, quem apresentou uma reforma do imposto para aumentar a taxação das empresas foram eles, quem prometeu privatizar e, na verdade, criou novas estatais foram eles, quem colocou um general inexperiente para tocar a Petrobras foram eles, quem aparelhou a máquina estatal com militares e amigos dos filhos do presidente foram eles…”.