Pouco antes das 10h desta terça-feira, 15, o presidente Jair Bolsonaro postou-se na mesa do seu gabinete no terceiro andar do Palácio do Planalto com uma pilha de reproduções das manchetes dos jornais O Globo, Estado de S. Paulo, Folha de S.Paulo e Correio Braziliense, gravou um vídeo de 1 minuto e 38 segundos, cancelou a criação de um novo programa social para substituir o Bolsa Família, ameaçou demitir funcionários do Ministério da Economia e deixou Paulo Guedes à deriva. O presidente tomou a decisão do pronunciamento com poucos assessores. Não se deu ao trabalho de alertar Guedes.
Disse Bolsonaro no seu vídeo: “Já disse há poucas semanas que jamais vou tirar dinheiro dos pobres para dar aos paupérrimos. Quem porventura vier para mim para propor uma medida como esta, eu só posso dar um cartão vermelho para esta pessoa. É gente que não tem o mínimo de coração ou de entendimento de como vivem os aposentados no Brasil. Vou dizer a todos vocês. Pode ser que alguém da equipe econômica tenha falado sobre esse assunto. Mas por parte do governo jamais vamos congelar salário de aposentados, bem como jamais vamos fazer com que o auxílio para idosos e pobres com deficiência seja reduzido para qualquer coisa que seja. E última coisa para encerrar: até 2022, no meu governo, está proibido falar a palavra Renda Brasil. Vamos continua com o Bolsa Família e ponto final”.
Chamada às pressas ao Planalto para se explicar, Guedes saiu da reunião com o presidente preocupado com o seu pescoço. “O cartão vermelho [de Bolsonaro] não foi para mim”, declarou. Na prática, Guedes jogou aos leões o seu principal assessor, Waldery Rodrigues, que, devidamente autorizado pelo ministro, negociava com o Congresso congelar temporariamente o salário mínimo, por exemplo, por dois anos para reduzir despesas públicas e, assim, abrir espaço nos próximos Orçamentos para o novo programa Renda Brasil.
É a segunda vez que o presidente faz uma descompostura pública em Guedes. No mês passado, Guedes havia proposto financiar o novo programa com o fim do seguro desemprego, abono salarial, seguro defeso e farmácia popular. Bolsonaro vetou. Disse que aquilo era “tirar do pobre para dar ao paupérrimo”.
Guedes não entendeu ou fingiu não entender. Ele autorizou que para obter os recursos do Renda Brasil a sua equipe negociasse com o Congresso o congelamento da aposentadorias por 2 anos e cortes no BPC. É como se vivessem em uma realidade paralela.
Além de não entender o que os limites impostos pelo presidente, a equipe de Guedes repetiu um trajeto equivocado no qual os colunistas e repórteres dos jornais que o presidente despreza souberam antes de Bolsonaro quais eram os planos. É preciso viver em outro planeta para não entender o quanto isso irrita o presidente.
Nomeado como o Posto Ipiranga, aquele a quem Bolsonaro iria recorrer a cada dúvida, Guedes é hoje o comandante da economia mais fraco desde que Guido Mantega perdeu o controle dos acontecimentos com as marchas de 2013. Guedes entrou no governo com a missão pessoal de dar um choque liberal na economia, reduzindo o tamanho e o custo do Estado, privatizando, cortando impostos e abrindo o País aos investimentos externos. Com a pandemia de Covid-19, o espaço das reformas foi reduzido. A arrogância do próprio Guedes acabou com qualquer diálogo com o Congresso, onde as reformas precisam ser aprovadas. Só muito otimistas acreditam que o Congresso aprova alguma reforma neste ano.
A pandemia, no entanto, deu uma nova oportunidade para Guedes brilhar. Ele recebeu de Bolsonaro a missão de formatar um novo programa social, o Renda Brasil, capaz de trazer ao presidente o mesmo sucesso do Bolsa Família, que ajudou as vitórias petistas de 2006, 2010 e 2014. Se obtivesse sucesso na modelagem do Renda Brasil, Guedes voltaria a ter voz e voto nas decisões do governo. Perdeu de novo.
Agora, sem reformas e sem Renda Brasil, Guedes é um posto sem combustível.