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Thomas Traumann

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Thomas Traumann é jornalista e consultor de risco político. Foi ministro de Comunicação Social e autor dos livros 'O Pior Emprego do Mundo' (sobre ministros da Fazenda) e 'Biografia do Abismo' (sobre polarização política, em parceria com Felipe Nunes)
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O duplipensar de Bolsonaro sobre a guerra na Ucrânia

Brasil votou contra a invasão russa na ONU, mas presidente se faz de propagandista de Putin

Por Thomas Traumann Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 28 fev 2022, 10h44
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  • O governo Bolsonaro repete na diplomacia o mesmo método de ações contraditórias adotado ao longo da pandemia de Covid. Formalmente, o Brasil votou contra a invasão russa no Conselho de Segurança da ONU, assim como comprou as vacinas necessárias para imunizar a população. Ao mesmo tempo, o próprio Bolsonaro se faz de propagandista de Vladimir Putin, assim como foi o líder mundial do negacionismo antivax. É o duplipensar bolsonarista.

    No domingo (27/02), Bolsonaro disse em entrevista ter se comprometido a uma postura neutra na guerra “para não trazer as consequências do embate para o país. “O voto do Brasil (na ONU) não está definido e não está atrelado a qualquer potência. Nosso voto é livre e vai ser dado nessa direção (da neutralidade). Nós não podemos interferir. Nós queremos a paz, mas não podemos trazer consequências para cá.” (Inicialmente, os jornais informaram que Bolsonaro havia conversado com Putin horas antes da entrevista. A informação foi corrigida posteriormente).

    Bolsonaro repetiu no domingo os argumentos de Putin para a ocupação. “Grande parte da população da Ucrânia fala russo. São países praticamente irmãos. Eu entendo que não há interesse por parte do líder russo (Putin) de praticar um massacre (contra civis). Ele está se empenhando em duas regiões do Sul da Ucrânia que, em referendo, mais de 90% da população quis se tornar independente, se aproximando da Rússia”, disse, para ao final dizer que “uma decisão minha (contra a Rússia) pode trazer sérios prejuízos para o Brasil”.

    Horas antes da entrevista de Bolsonaro, também no domingo, o embaixador brasileiro na ONU, Ronaldo Costa Filho, votou a favor da convocação de uma sessão extraordinária da Assembleia-Geral sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia, contrariando o governo Putin. Na sexta-feira, o Brasil já havia votado contra os interesses russos ao condenar a invasão. “Um limite foi ultrapassado, e este conselho não pode permanecer em silêncio”, disse o embaixador. O Brasil ocupa uma das cadeiras rotativas do Conselho de Segurança até 2023.

    É preciso acompanhar se as declarações de Bolsonaro terão efeito na ação da diplomacia. O governo brasileiro não condenou a invasão e Bolsonaro manteve uma postura dúbia ao longo da semana, provavelmente aguardando um consenso sobre o que pensavam seus militantes mais radicais.
    Influenciadas pelos elogios de Donald Trump a Putin, a maioria dos bolsonaristas passou a defender o líder russo e, curiosamente, repetir o antiamericanismo de botequim de parte da esquerda. A postura pró-Putin nas redes sociais foi fundamental para o presidente tomar lado da Rússia nas falas públicas, enquanto dá autonomia aos diplomatas para uma postura independente.

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    O argumento de que Bolsonaro tenta se equilibrar para defender os interesses comerciais não se sustenta. No ano passado, o Brasil importou US$ 5,7 bilhões em produtos russos em 2021, principalmente adubos e fertilizantes químicos, e vendeu apenas U$ 1,6 bilhão. É proporcionalmente um dos maiores déficits em conta corrente. A Rússia é o apenas sexto país que mais vende produtos ao Brasil, depois de China, EUA, Argentina, Alemanha e Índia. Exceto a Índia, os líderes de todos esses países já foram ofendidos pessoalmente por Bolsonaro.

    Às vezes é necessário uma certa distopia para explicar o governo Bolsonaro. A palavra “duplipensar” foi criada por George Orwell em 1984, como “o poder de manter duas crenças contraditórias na mente ao mesmo tempo, de contar mentiras deliberadas e ao mesmo tempo acreditar genuinamente nelas, e esquecer qualquer fato que tenha se tornado inconveniente”. Até para compreender a palavra “duplipensar” era necessário usar o duplipensar”. Bolsonaro fala o que faz em um governo que ignora o que ele fala.

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