Esta é a sexta vez que escrevo sobre a possibilidade de o ministro da Economia, Paulo Guedes, pedir para deixar o governo Bolsonaro. A cada vez que converso com ex-ministros e ex-BCs, diretores de bancos, economistas-chefes e traders, as respostas são cada vez mais resignadas. Na primeira vez, em março de 2019, quando Guedes achou que o Congresso não se dispunha a apoiar a sua proposta de reforma da Previdência, as perspectivas eram de abismo sem fim. Sem Guedes, diziam meus interlocutores à época, toda a agenda liberal estava comprometida. Seria um novo “Joesley Day”, quando o governo Temer perdeu o rumo com a delação dos sócios da JBS.
O principal ativo de um ministro é a credibilidade, a capacidade de que suas palavras se transformem em atos. Em qualquer governo, essa credibilidade vai sendo minada com as circunstâncias e o humor do presidente. No caso de Bolsonaro, essa mudança é mais sentida porque o presidente se metamorfoseou de um político que despreza os programas sociais para um candidato que só pensa em como transformar benefícios e gastos federais em votos em 2022. O tempo é inclemente com ministros de qualquer governo. Com os de Bolsonaro, ele é cruel.
Guedes recebeu a missão de colocar de pé o principal projeto da reeleição de Bolsonaro, o Renda Brasil, para engolir o Bolsa Família que ajudou o PT a vencer as eleições de 2006, 2010 e 2014. Guedes montou um projeto no qual o Renda Brasil teria um benefício maior que o Bolsa Família e atingiria mais gente – perfeito para as intenções populistas do presidente. Só que para o novo programa ficar de pé é preciso cortar gastos em outros projetos e a reação de Bolsonaro foi a do manual do perfeito populista. Ele, Bolsonaro, se colocou como o governante preocupando com o povo, enquanto Guedes é o “insensível”.
Como Guedes não é candidato a nada, tudo bem. O problema é que essa fritura do ministro da economia tem um custo. Os agentes financeiros assistem ao desgaste e enxergam as contas públicas indo para o buraco em breve, o que significa prêmios maiores na taxa de juros futuros, volatilidade no câmbio e suspensão de investimentos.
Em março, o próprio Guedes calculou que a sua saída elevaria o dólar a R$ 7. O valor continua sendo considerado pelos analistas como o teto da desvalorização de uma mudança ministerial, com o piso girando em R$ 6. Mas a cada ameaça, a permanência ou não de Guedes importa cada vez menos. O sistema financeiro está compreendendo que com ou sem Guedes, o governo Bolsonaro está 100% focado na reeleição, o que significa que a manutenção do Teto de Gastos, aprovação de reformas e privatizações estão virando pó. E aí o ministro da Economia pode ser a reencarnação do papa liberal Milton Friedman que o mercado entra em efeito manada. Sem política fiscal crível, o mercado vai apostar contra o país. O Brasil assistiu isso a partir de 2013 com resultados dramáticos.
Um presidente popular é um pesadelo para ministro com ideias independentes.
Hoje, graças ao auxílio emergencial, Bolsonaro é o favorito para as eleições de 2022. A popularidade torna mais barato o apoio dos deputados no Congresso, impede o impeachment e dá ao presidente uma aura de invencível. Qualquer um que se coloque no caminho da sua reeleição, é considerado um empecilho.
Bolsonaro teve a coragem de defenestrar os ministros da Saúde, Henrique Mandetta, no início da pandemia de Covid-19, e o da Justiça, Sergio Moro, quando avançaram as investigações sobre corrupções envolvendo sua família. Jogar Guedes ao mar não é uma decisão simples, mas estamos falando de um presidente que desconhece a cautela.