Como o cantor Frank Sinatra no clássico ensaio do jornalista Gay Talese para a Esquire em 1965, Lula tem um resfriado.
“Sinatra resfriado é Picasso sem tinta, Ferrari sem combustível — só que pior. Porque um resfriado comum despoja Sinatra de uma joia inestimável — sua voz —, mina as bases de sua confiança, e afeta não apenas seu estado psicológico, mas parece provocar também uma espécie de contaminação psicossomática que alcança dezenas de pessoas que trabalham para ele, bebem com ele, gostam dele, pessoas cujo bem-estar e estabilidade dependem dele. Um Sinatra resfriado pode, em pequena escala, emitir vibrações que interferem na indústria do entretenimento e mais além, da mesma forma que a súbita doença de um presidente dos Estados Unidos pode abalar a economia nacional”, escreveu Talese
Luiz Inácio Lula da Silva não está resfriado, mas sofre de uma rouquidão crônica. Desde abril seus médicos insistem para que ele faça sessões diárias de fonoaudiologia. Ele começou em maio, parou em junho. Voltou. Parou. Voltou. Com o início da campanha, fez sessões semanais em São Paulo, mas não concordou que um profissional o acompanhasse nas viagens, justamente quando ele mais gasta a voz em comícios. A forma desleixada como a rouquidão do candidato está sendo tratada só revela como Lula pode até escutar muita gente, mas só faz o que quer.
No debate da Band (28/08), a expressão “voz do Lula” chegou ao maior volume de buscas já registrado. Na quinta-feira (01/09), Lula começou o seu discurso para artistas no Theatro da Paz, em Belém, dizendo que seria breve “porque toda hora que eu levanto a Janja (sua mulher) fala: ‘economiza a voz, economiza a voz’ e confessou que precisava “parar de falar por um mês para recuperar a voz””. Só que logo depois, ele falou por 35 minutos.
Como no caso de Sinatra, Lula sem voz é um outro ser. Ele nasceu para a política nos anos 1970 falando sem microfone para 100 mil pessoas em São Bernardo do Campo. A sua voz é reconhecível por qualquer brasileiro como o soco no ar de Pelé na comemoração de um gol.
O discurso de Lula é tradicionalmente uma epopeia circular: parte de uma premissa em tom mais alto, passa por curtas anedotas que exemplificam a tese, traz alguns minutos de ataques às ideias contrárias e ao final há encerramento em voz mais alta reforçando a ideia central. Por este método, é difícil achar um discurso de Lula que dure menos de 20 minutos.
A rouquidão torna irregular a musicalidade da sua fala, faz sumir palavras e o faz perder a concentração. Isso foi notável no debate na Band, quando parecia que ele não tinha fôlego para concluir as frases.
Segundo assessores, a rouquidão crônica começou ainda na prisão, em Curitiba. Ao ser libertado, Lula chegou a usar um aparelho auditivo para que ele pudesse calibrar melhor a voz e gritasse menos. Durou pouco tempo. Lula sofre de refluxo gástrico crônico, que inflama e machuca as cordas vocais. A assessoria é enfática ao afirmar que a rouquidão do ex-presidente não tem relação com o câncer na laringe, detectado em 2011. Em março de 2012, os médicos constataram que o tumor havia desaparecido.
Em comício no mês passado, em São Paulo, Lula brincou com o tema. “As pessoas dizendo, ‘ah, o PT está preocupado com a garganta do Lula’. Eu acho que você tem que se preocupar, porque quando eu era dirigente sindical, às vezes eu fazia dez assembleias por dia, eu chegava em casa rouco, a minha voz parecia uma taquara rachada. Mas naquele tempo eu era mais jovem que eu tomava logo um conhaquezão com mel, a garganta ficava boa. Hoje eu não posso mais, hoje eu sou candidato a presidente, então eu tenho que tomar água, água, água, água, água, estou enferrujando por dentro. Mas eu quero dizer para vocês que tudo que o Bolsonaro quer é que o Lula não consiga falar. Ô Bolsonaro, eu não preciso falar para conversar com esse povo, eu falo pelo olhar dele, eu falo pela alegria deles”, disse.
Não é verdade. Um Lula sem voz não é Lula. É Luiz Inácio.