A proposta de reforma tributária do ministro Paulo Guedes cria um imposto de 20% sobre a distribuição de dividendos das empresas. Naturalmente, os empresários não gostaram, mas não reclamaram com o ministro. Ligaram para o presidente da Câmara, Arthur Lira, que nesta segunda-feira (28/06), sem consultar o governo, decretou que iria mudar a proposta e baixar a alíquota do imposto.
Também na segunda-feira, líder do governo, Ricardo Barros, sentiu que o Planalto o está abandonando no escândalo da encomenda das vacinas Covaxin e conversou com Lira. Avisou que não ia largar o posto e ir à CPI da Covid para se defender. Nenhum dos dois achou que valia a pena avisar o governo da tática de enfrentamento.
Nesta quarta-feira (30/06), entidades protocolam na Câmara o “superpedido de impeachment”, a colcha de retalhos de acusações de crimes que Bolsonaro supostamente cometeu e que seriam suficientes para abrir um processo de afastamento do presidente pelo Congresso. As chances de o pedido prosperar são nulas porque dependem de uma única pessoa, Arthur Lira.
Presidentes da Câmara se dividem entre os que formam uma parceria com o presidente (como Luis Eduardo Magalhães e Michel Temer com FHC e Rodrigo Maia com Temer) ou que os tem projeto próprio de poder (como Ulysses Guimarães e Eduardo Cunha). Lira é uma mescla dos dois casos. A sua relação com Bolsonaro é de simbiose, a associação de longo prazo de espécies diferentes e que muitas vezes trazem benefícios mútuos.
O presidente da Câmara sabe o poder que tem e o exerce de forma espalhafatosa. Logo que venceu a eleição para o cargo, puniu os deputados que votaram contra, mudando as regras para impedir que eles fizessem parte da diretoria da Câmara. Transferiu de lugar o Comitê de Imprensa, reduziu a possibilidade de obstrução da oposição e tomou para o Legislativo o poder sobre o orçamento público, incluindo a distribuição de verbas sem controle no escândalo conhecido como “tratoraço”.
Um episódio na semana passada explica a relação de Lira com Bolsonaro. Em maio de 2020, a advogada Maria Claudia Bucchianeri foi uma das centenas que subscreveu um manifesto público que definia como o Brasil como um país “à mercê de uma ação genocida do presidente da República”. Em condições normais, a milícia digital bolsonarista teria vasculhado sua vida e exposto seus familiares à intimidação. É como eles funcionam contra qualquer voz divergente, ainda mais contra uma advogada que atuou na defesa do inimigo Lula. Na quarta-feira (23/06), porém, Buchianerri foi indicada por Bolsonaro para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). É que, além de tudo, ela foi advogada eleitoral de Lira, que impôs o nome ao presidente, como revelou o site Poder360.
No mesmo dia, para desgosto de quem acredita em “O Espírito das Leis” de Montesquieu, Bolsonaro afirmou se referindo a Lira: “Costumo sempre dizer, não são três Poderes, não, Arthur. É o Judiciário e nós para o lado de cá, porque nós formamos ‘heteramente’ um casal”.
Quando você pensar em Bolsonaro, pense em Arthur Lira. Quando você pensar em Arthur Lira, pense em Bolsonaro.