O Ministério da Fazenda vai adiar o envio da proposta de reforma do Imposto de Renda para não atrapalhar a votação da reforma tributária no Senado. Em entrevista à Natuza Nery, da GloboNews, no dia 10, o ministro Fernando Haddad anunciou que as propostas de novos impostos seriam enviadas em agosto, mas foi convencido a mudar o cronograma pelos líderes governistas no Senado.
Politicamente faz todo o sentido. A reforma tributária aprovada pela Câmara é uma grande carta de intenções e é razoável a possibilidade de o Senado piorar o texto, especialmente para favorecer os estados do Norte e Centro-Oeste. No front fiscal, no entanto, isso vai provocar ruído.
Sem as propostas de renda, o projeto de orçamento de 2024, que por lei precisa ser enviado em agosto, vai chegar capenga ao Congresso. Como prever um déficit primário zero sem saber a arrecadação? Ok, por anos a proposta do orçamento de agosto sai de um jeito do Planalto e muda completamente até a sua aprovação em dezembro, mas como este será o primeiro ano do novo arcabouço o mercado vai olhar o orçamento com lupa.
A reforma da renda será a principal nova agenda legislativa do governo Lula. Será a oportunidade de o presidente dizer que está cumprindo a promessa de “colocar o pobre no orçamento e o rico no imposto de renda”. Por isso, a proposta tem objetivos ambiciosos: (1) bancar a promessa de isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mi até 2026. O custo estimado dessa benesse é R$ 80 bilhões por ano e, por isso, é uma meta considerada quase impossível pelos técnicos da Receita Federal e do Tesouro Nacional; (2) bancar o que ficou faltando de receitas recorrentes para o Marco Fiscal, valor ainda não estimado, mas que segundo algumas corretoras passa de R$ 70 bilhões.
Olhe os valores envolvidos nessas duas ambições e é possível imaginar o tamanho da mordida. Alíquotas e estimativas ainda estão em andamento, mas a reforma de renda deve incluir:
• taxações de dividendos, com pouca ou nenhuma compensação no imposto sobre lucro;
• taxação dos fundos exclusivos;
• taxação dos investimentos em off-shore (com a retirada da MP do assunto);
• fim da JCP, os juros sobre capital próprio, um tipo de remuneração que grandes empresas, especialmente bancos, distribuem para seus acionistas;
• restrição às deduções de saúde e educação na declaração do Imposto de Renda;
• novas alíquotas de imposto de renda para salários acima de R$ 8 mil.
Lembrado por Natuza Nery de que parte dessa agenda já foi tentada por seus antecessores e não foi aprovada pelo Congresso, Haddad saiu pela tangente. Disse, corretamente, que a responsabilidade de dar sustentabilidade fiscal não é apenas do Executivo, mas também dos outros Poderes. Beleza, mas, se o Congresso não aprovar a agenda de impostos, quem vai ter de se virar para (1) explicar a Lula que a promessa de isenção até R$ 5 mil não vai sair; e (2) explicar ao mercado que o Arcabouço não vai explodir já no primeiro ano vai ser Fernando Haddad e não Arthur Lira ou Rodrigo Pacheco.
Embora projetar o futuro no Brasil seja uma tarefa arriscada, é altamente improvável que a equipe econômica vá chegar a dezembro com o arcabouço sem fundos. O plano B de Haddad inclui a antecipação das receitas do pré-sal, acordos no Carf com grandes devedores como a Petrobras e até uma nova rodada de repatriação de recursos. São ideias que só funcionam uma vez, mas funcionam.
Haverá ruídos nos próximos meses sobre a capacidade de o governo cumprir o arcabouço, mas o sinal é que há um plano B.