O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, conseguiu convencer o presidente Lula da Silva a baixar o ajuste fiscal mais ambicioso da história do PT. São 2% do PIB em quatro anos, uma virada de R$ 400 bilhões em quatro anos. Para comparar, o ajuste de Antonio Palocci no governo Lula 1, que ainda hoje causa calafrios no petismo, foi de 0,7% em 2003 e 2004.
É o maior feito político desde a ressurreição de Lula da prisão para a presidência em pouco mais de mil dias. Desde que foi eleito, Lula transformou o mercado financeiro no maior adversário para cumprir as suas promessas de mais gastos sociais, transformou a queda de juros no principal debate político do país e, por muito pouco, não provocou a demissão de Haddad na virada de março quando titubeou sobre a volta dos impostos federais sobre combustíveis.
Desde março, contudo, Lula passou a dar a Haddad o que o ministro pediu: a não-discussão da meta de inflação na reunião do Conselho Monetário Nacional de fevereiro, a volta do imposto sobre combustíveis, a indicação de diretores do BC alinhados com a Fazenda, a exclusão de Gleisi Hoffmann do debate econômico e, principalmente, o apoio à nova Regra Fiscal. É um movimento político importante para o futuro do governo.
Como todo plano de todo ministro da Fazenda, o novo Arcabouço tem premissas extremamente otimistas. Ele só funciona se houver um ganho brutal de arrecadação e um crescimento consistente na economia. Quanto mais crescer o PIB, mais cresce a receita e, por consequência, a despesa. O plano aposta no crescimento e numa queda significativa da taxa Selic. Sem essas duas variáveis, naufraga.
O Arcabouço tem limite de despesas, gatilho para correção de rumo e incentivo para aumentar a arrecadação. Isso mostra um ganho sobre vários dos debates internos do PT ao longo da campanha, que privilegiavam apenas o superávit primário. Sem limite de despesas, o orçamento era sempre fictício, pois o Congresso superestimava receitas e depois o Executivo corrigia, por meio dos contingenciamentos, gerando um orçamento paralelo, que incentivava contabilidade criativa ou medidas parafiscais.
Apresentado no mais confuso powerpoint da história do Ministério da Fazenda, a nova Regra Fiscal é um Teto de Gastos que não ousa dizer o seu nome. Mas é um teto retrátil:
· A meta de gasto define que a despesa real cresce anualmente dentro do intervalo que vai de 0,6% a 2,5%;
· Esse crescimento é definido com base em 70% da variação real da receita líquida apurada no período anterior (sujeito aos limites do intervalo de 0,6% a 2,5%)
· Além da meta de gasto, há uma meta de primário, chamada de compromisso, que é formulada em bandas
· O compromisso de redução do déficit seguiria assim: – 0,5% do PIB em 2023; 0% em 2024; 0,5% em 2025; e 1% em 2026, com bandas de 0,25 ponto percentual para cima ou pra baixo
A proposta possui uma forte característica pró-cíclica: o aumento da despesa se relaciona com o aumento da receita (embora tenha um limite que, em última análise, atenua a pró-ciclicidade).
Para não indicar uma contradição ao discurso lulista, a Regra prevê um crescimento real e contínuo da despesa entre 0,6% e 2,5%, mesmo num período de retração. Não é anticíclico, já que mais crescimento leva a mais gasto nessa regra.