No final dos anos 1980, Henrique de Souza Filho, o Henfil, dirigiu uma comédia chamada “Deu no New York Times”, sobre uma fictícia república de bananas onde, com a imprensa censurada, a informação confiável vinha do único exemplar do jornal enviado de Nova York pelo sobrinho do ditador. Depois de lido, a edição do The New Times era queimada para que não chegasse às mãos dos sete grupos guerrilheiros locais, todos dissidentes uns dos outros, que passavam o dia olhando a chaminé do palácio presidencial para decifrar as notícias através da fumaça.
Um dia, meio de tédio, meio de brincadeira, o sobrinho do ditador envia uma capa falsa do jornal. Como tudo o que o The New York Times publica é considerado verdadeiro, os acontecimentos da ilha passam a se adaptar às notícias manipuladas. A sátira sobre censura, paranoia e provincianismo é um retrato dos anos pós-Regime Militar e também revela credibilidade obtida pela Gray Lady, como o The New York Times ficou conhecido com sua sisudez.
O youtuber Felipe Neto é um ano mais jovem que o filme de Henfil, mas a repercussão nas redes sociais ao seu depoimento no NYT (assista o vídeo) revela que o paroquialismo brasileiro mudou pouco nessas décadas. Metade das reações enxergou na publicação do NYT um selo de qualidade para Felipe. A outra metade se indignou que um jornal com tamanha credibilidade tenha aberto espaço para um youtuber de 32 anos. Poucos discutiram o que Felipe disse e o alcance da sua influência.
No vídeo de 6 minutos e 25 segundos, Felipe Neto comparou Jair Bolsonaro a Donald Trump, afirmando que o brasileiro é pior. “Americanos gostam de se gabar de terem o pior líder em tudo. E desde o começo da pandemia de Covid-19 vocês estão liderando em número de mortes. Isso se dá em parte, claro, graças ao presidente Donald Trump, que vários de vocês acreditam ser o pior líder da democracia atual. Bom, eu estou prestes a mostrar a vocês sobre os 200 milhões de brasileiros que ganham de vocês. Perto de Trump, Bolsonaro é um Patch Adams”, disse, referindo-se ao médico famoso por usar o humor nos tratamentos de pacientes.
O Brasil vive uma complexidade de crises: sanitária pelos quase 2 milhões de contaminados por Covid-19, gerencial com a incompetência no Ministério da Saúde, econômica com a pior recessão do século, social com mais de 60 milhões de brasileiros sobrevivendo com o auxílio emergencial, institucional com as tensões entre Bolsonaro e o Supremo Tribunal Federal, ambiental com o avanço das queimadas na Amazônia, fiscal com a possibilidade de um desequilíbrio nas contas públicas já no ano que vem… São tantos os impasses que o Brasil vive que nos desapercebemos da falta de lideranças.
Existe ainda no Brasil uma ideia pré-concebida de que os líderes precisam ter cargos em governos ou universidades, usar terno e gravata e ser sisudos como o New York Times um dia foi. Sorry, mas já não é mais assim. Com 39 milhões de seguidores, Felipe Neto é um protagonista político. Isso não significa que tudo ele diga é certo, apenas que o debate da política não se faz mais só nos telejornais, nas sessões do Congresso ou nas páginas dos jornais.
A política do século 21 tem tudo isso e muito mais: desde 2010, o pastor Silas Malafaia é um ícone do conservadorismo, com notável influência na sociedade. O programa matinal de entrevistas de Fátima Bernardes tem mais repercussão no cotidiano de milhões de brasileiro do que muitas edições do Jornal Nacional. Os rostos do movimento de rua pelo impeachment não foram de políticos tradicionais, mas dos jovens do MBL, assim como a concepção ideológica do governo Bolsonaro não foi produzida pela Escola Superior de Guerra, mas pelas aulas online de Olavo de Carvalho.
É um mundo novo onde para ser informado, não basta mais apenas ler a Veja, a Folha, o Globo, o Estadão, o Valor, a Época, a Exame, o Poder360, o Jota, o Nexo, assistir a Globonews, a CNN e a Globo, acompanhar os despachos da Reuters e da Bloomberg… Além de tudo isso, é preciso ouvir o que tem a dizer a ativista Winnie Bueno, a youtuber Nil Moretto, o biólogo Atila Iamarino, as economistas Monica de Bolle e Laura Carvalho, a professora Priscila Cruz, nenhum com cargo público, mas todos com algo a dizer e a discordar. É um mundo de muitas vozes, onde o leitor do New York Times precisa escutar o Felipe Neto para entender o que se passa no Brasil.