A repercussão da entrevista do youtuber e empresário Felipe Neto no programa Roda Vida desta segunda-feira, 18, incomoda aqueles que acham que a política séria só se discute de paletó e gravata nos corredores verdes e azuis do Congresso. Desculpa aí, mas o século 20 acabou faz tempo.
A política brasileira desde o fim do regime militar se reparte na capacidade de os eleitos para o Executivo promoverem acordos no Congresso, nas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais. Os que conseguem, simultaneamente, segurar uma base popular e uma partidária, concluem seus mandatos e, eventualmente, se reelegem. Os que não conseguem, sofrem impeachment ou viram patos mancos deserdados pela sorte.
Só que a política de hoje é mais que isso. Pelos critérios estabelecidos por Brasília, um capitão reformado coadjuvante de programas sensacionalistas na TV nunca teria sido eleito. Foi. Os que hoje se espantam com a articulação de Felipe Neto são os mesmos que achavam que bastava ter mais tempo de TV para ganhar a eleição. Não aprenderam nada.
Pode-se discordar do que Felipe Neto disse na entrevista conduzida pela jornalista Vera Magalhães e concordar com outras tantas opiniões, mas ele representa um frescor que os políticos e analistas tradicionais teimam em ignorar. É a política do cotidiano, não a da conjunção partidária da Comissão de Constituição e Justiça. A primeira _ do youtuber que citou Karl Popper para falar do limite da tolerância com os intolerantes _ não veio para substituir a segunda, primeira etapa para o trâmite de qualquer projeto ou medida provisória no Congresso. Elas se complementam.
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Clique e AssineO preconceito com as opiniões de Felipe Neto são elitismo. A política aceita de braços abertos os netos e filhos dos Sarneys, Barbalhos, Neves e Magalhães. Também tem lugar para os escolhidos pelo chefe político, de Fleury à Dilma. Não escondem, no entanto, uma rejeição intrínseca ao novo. Todas as tentativas de renovação na política _da direita à esquerda_ são tratadas com entraves e desdém. A Rede Sustentabilidade, da ex-ministra Marina Silva, foi impedida de lançar candidatura em 2014 por falta de assinaturas. A Rede tentou ser um partido tão oposto aos exemplos existentes que virou disfuncional. O Novo copiou a ideia de critérios de filiação do movimento que elegeu Emmanuel Macron na França, mas elitizou sua base como se fosse um clube de golpe. O MBL nasceu como uma fábrica de memes e agora busca achar uma coluna vertebral à margem dos partidos tradicionais. Os deputados eleitos pelos grupos de renovação _ como os vibrantes Tabata Amaral e Felipe Rigoni _são discriminados nas suas legendas por terem opinião própria.
Nem tudo que é bom é novo, nem tudo que é novo é bom, e a prova está na horda de deputados eleitos em 2018 que ainda acha que quando o presidente da Câmara cita “regimento” está se referindo à unidade militar. O novo, porém, é inevitável. Assim como a guerrilha digital do bolsonarismo mudou completamente a lógica de mobilização, os políticos também terão que aprender a viver num tempo em que seus modelos de autoridade perderam validade. A nova política (nova no bom sentido) vai ser a que aprender a perguntar mais e ter menos respostas prontas. A ouvir o Felipe Neto falar de liberdade de expressão, Priscila Cruz sobre educação, Preto Zezé sobre desigualdade social, Atila Iamarino sobre os efeitos trágicos do negacionismo científico, Rene Silva sobre juventude, entre tantas outras vozes. Ouvir o outro é o primeiro passo para o diálogo. Assim como o youtuber de 30 milhões de seguidores precisou ir a um programa de entrevistas numa TV, essa mídia do século 20, para ser ouvido pelos políticos, estes vão ter de sair dos corredores azuis e verdes para entender o mundo novo.