Dos mesmos produtores de “Vitória de Doria para prefeitura fortalece Alckmin”, “Sem estrutura, Bolsonaro terá fôlego curto” e “Com Lula preso, PT não terá chances” – sucessos estrondosos no início da campanha presidencial de 2018 – estão sendo disseminadas conclusões sobre 2022 que combinam julgamentos apressados, autoengano e desejos. Alerta: consuma toda análise sobre as eleições de 2022 com cautela (inclusive esta).
Vamos aos mitos:
“Bolsonaro está politicamente morto” – O erro mais comum é confundir uma constatação (Bolsonaro foi o perdedor das eleições municipais) com o desejo de algumas pessoas (Bolsonaro não tem chances). Nada mais errado. Os três presidentes que se candidataram – FHC, Lula e Dilma – foram reeleitos. O poder da máquina federal – com o controle do caixa do orçamento, suas relações com grandes empresas e seus 20 mil cargos de confiança – assegura competitividade a qualquer um.
Bolsonaro é o primeiro presidente a quem evangélicos, produtores rurais e a baixa oficialidade do Exército e das Polícias Militares consideram como o seu representante. São forças políticas poderosas, articuladas e que não abandonaram um dos seus, mesmo com os vários erros da atual gestão.
Como escreveu o cientista político Oliver Stuenkel na revista Americas Quaterly (https://www.americasquarterly.org/article/searching-for-a-brazilian-biden/): “O movimento de Bolsonaro (da direita) para o centro complica as tentativas de outros candidatos da centro-direita de se diferenciar do presidente ou conquistar o apoio do Centrão. Isso atende aos interesses de Bolsonaro: suas chances de vencer a reeleição são provavelmente maiores contra um candidato de esquerda do que um conservador”.
“O Centro é favorito” – primeiro é preciso responder ‘qual centro?” Porque os partidos que mais cresceram em número de prefeituras foram o PSD de Gilberto Kassab e o PP de Ciro Nogueira, ambos com a firmeza ideológica de um espaguete cozido. O partido com maior número de prefeituras segue sendo o MDB, outra legenda conhecida pela capacidade de apoiar todo governo e pular do barco quando convier.
Juntos, MDB, PSD e PP venceram 2.123 das 5.567 prefeituras, mas a possibilidade de terem protagonismo é zero (mesmo se Bolsonaro se filiar ao PP, o protagonismo será dele, não do partido).
Dois partidos têm potencial para liderarem o processo, o Democratas e o PSDB. O primeiro não tem candidato, mas articula a filiação do apresentador Luciano Huck. O segundo tem o governador João Doria, que não é popular em São Paulo.
Huck é uma incógnita. Nunca foi candidato, ainda tem contrato com a TV Globo e talvez tenha perdido o timing. A eleição de 2018 era o momento dos outsiders. Não está claro que 2022 também será.
Doria lidera um partido que saiu menor das urnas. O PSDB governava 34,5 milhões de brasileiros em 2017 e, a partir de 2021, irá administrar cidades com 23,6 milhões de habitantes. Mas ele tem uma enorme vantagem sobre seus adversários, as pesquisas para a vacina do Butatan. Se a imunização em São Paulo for mais efetiva que a do Ministério da Saúde, Doria tem um troféu nas mãos.
Por fim, resta lembrar que o apoio do Centrão não implica em votos. Em 2018, Geraldo Alckmin teve o apoio de PSDB, DEM, PSD, PP, PR, PRB e Solidariedade e recebeu menos de 5% dos votos.
“Moro pode ser a surpresa” – O ex-juiz da Lava Jato encerrou sua carreira política ao escolher trabalhar para o escritório de advocacia que administra a recuperação judicial da Odebrecht. Não há malabarismo que justifique mais os dois pesos e duas medidas que sempre salvaram a imagem de Moro na mídia e no imaginário popular.
“Ciro lidera a centro-esquerda” – O ex-governador Ciro Gomes foi competente ao montar uma aliança entre PDT e PSB, mas a junção só deu certo nas capitais do Nordeste. Ciro tenta uma estratégia complexa de se afastar da esquerda e tentar atrair para si o bloco da centro-direita. Foi assim que escolheu a direitista Kátia Abreu como sua vice em 2018. Deu em nada e ele ficou com os mesmos 12% das eleições de 2002 e 1998.
“O PT está isolado” – O PT teve um desempenho pior que o de 2016, que já havia sido o mais desastroso da história e passou vergonha em São Paulo e Belo Horizonte. Dito isso, o partido segue sendo aquele com o maior número de deputados federais, quatro governadores e uma capilaridade nacional. É impossível a esquerda vencer sem o PT e mesmo a oposição de centro-direita vai precisar dos votos petistas para destronar o presidente. O fato de o PT ter pisado no tomate em seus diagnósticos de conjuntura desde 2016 não faz como que, necessariamente, o erro seja destino.