O presidente Jair Bolsonaro não existiria sem a eleição de Donald Trump. A afirmação contêm exageros e verdades em doses iguais. É lógico que as circunstâncias que levaram quase 58 milhões de brasileiros a votar no capitão não dependeram diretamente de Trump, mas também é fato que a vitória do americano normalizou para muita gente os arroubos misóginos e racistas do brasileiro.
O primeiro efeito da reeleição de Trump no Brasil, portanto, será interno. Bolsonaro se sentirá avalizado no seu discurso de confronto, seja com a China, com os jornalistas, com a oposição e os cientistas que não minimizam os riscos das Covid-19.
Em 3 de novembro, os americanos vão às urnas para decidir pela reeleição de Trump. Nas pesquisas atuais, o favorito é o democrata Joe Biden, mas (a) Hillary Clinton também era favorita em 2016; (b) a campanha de destruição de reputação mal começou; e (c) se perder, Trump irá denunciar fraude, recorrer e esticar a corda até a Suprema Corte. O final melancólico das eleições de 2000, quando George W. Bush e Al Gore disputaram quais votos da Flórida era válidos, parecerão doces agora.
Jair Bolsonaro é hoje o único líder mundial a colocar todas as suas fichas na reeleição de Trump. Seu filho Eduardo postou vídeo pró-Trump, tomou bronca do Comitê de Relações Exteriores da Câmara e foi defendido pelo embaixador americano em Brasília, Todd Chapman. Na semana passada, o jornal The New York Times noticiou que a mesma comissão pediu explicações do embaixador por, supostamente, estar usando as negociações comerciais com o Brasil para interferir na eleição americana.
Segundo o Comitê, Chapman negocia com o Brasil o fim das taxas de importação de etanol americano, favorecendo assim os fazendeiros de milho do Ohio, um dos estados onde a eleição é acirrada. Em entrevista, o deputado Alceu Moreira (MDB-RS), da Comissão de Agricultura da Câmara, disse que, em conversa recente, Chapman citou “quatro ou cinco vezes” a proximidade das eleições americanas ao falar das negociações das alíquotas de importação de etanol.
Com Trump reeleito, essa proximidade de interesses entre os dois políticos se intensificaria. Na gestão Trump, o Brasil ganhou apoio na sua candidatura à OCDE (o clube dos países desenvolvidos) e na aliança militar da OTAN. Em troca, a diplomacia do Itamaraty virou um lulu da Pomerânia, votando na ONU em todas recomendações dos americanos, insinuando apoio a tentativa de derrubada de Nicolás Maduro na Venezuela, aplaudindo a ruptura institucional na Bolívia e, principalmente, vociferando contra a China. Na semana passada, Eduardo Bolsonaro defendeu o banimento no Brasil do aplicativo chinês Tik-Tok, um dia depois de Trump fazer a mesma ameaça.
O principal interesse americano _ seja com Trump, seja com Biden_ é o veto à chinesa Huawei na licitação para a tecnologia 5G. Em entrevista a O Globo, o embaixador Chapman ameaçou o Brasil de “consequências” caso a Huawei participe da licitação. Se Trump vencer, é quase certo que Bolsonaro não pagará ver que “consequências” o embaixador está falando. Sinuosamente, o embaixador não citou a maior preocupação da mídia americana com o Brasil, os seguidos recordes de desmatamento e queimadas na Amazônia.