Na Rússia, a vacinação contra a Covid-19 começou nesta segunda-feira. No Reino Unido, será na semana que vem. Na Alemanha e no México, será antes do Natal. Na Espanha, Portugal, França e Argentina, as imunizações começam entre janeiro e fevereiro. A agência de saúde dos EUA deve autorizar as vacinas no dia 17, mas as campanhas vão variar de estado para estado. Estima-se que a maioria da população deva ser vacinada entre abril e junho. E no Brasil?
Bem, no Brasil temos o governo Bolsonaro e, por isso, tudo é mais complicado. A agenda do Ministério da Saúde prevê que apenas em março serão ministradas as primeiras doses, e estas apenas para os com mais de 75 anos e profissionais de saúde. Depois, os acima de 60 anos e portadores de doenças renais crônicas e cardiovasculares. Na terceira fase, professores, policiais, bombeiros, agentes penitenciários e presos. Não haverá, portanto, doses para todos os brasileiros. O Ministério da Saúde tem assegurado poucos mais de 109 milhões de doses de vacinas. É pouco. Mesmo se excluirmos os jovens, Brasil tem 162 milhões com mais de 18 anos.
As pesquisas para alcançar um imunizante contra a Covid-19 são caras, complexas e feitas sob enorme pressão e escrutínio. Por isso, a maioria dos países antecipou encomendas em três ou quatro laboratórios, evitando colocar seus ovos em apenas uma cesta. Menos o Brasil.
O Ministério da Saúde, dirigido por um general que sabe nada do tema, decidiu arriscar tudo em um convênio com a AstraZeneca/Oxford, uma das melhores do mundo. Só que na semana passada, a AstraZeneca reconheceu que cometeu uma barbeiragem nos testes, entregando a alguns voluntários uma dose e meia ao invés de duas. O erro colocou em dúvidas os últimos documentos da companhia, mostrando que dados somente sugeriam (e não provavam) que a meia dose aumenta a eficácia da vacina de 62% para 90%. Isso significa que a liberação desta vacina pode atrasar, arriscando até mesmo o cronograma frouxo do Ministério da Saúde.
Há outras três vacinas sendo testadas no Brasil: Sinovac, Pfizer e Jensen. A primeira tem financiamento do governo de São Paulo e, por motivos políticos, foi vetada por Bolsonaro. As outras não foram contatadas pelo Ministério da Saúde que, agora, reclama da dificuldade em obter doses. “Ignorar que tivemos quatro vacinas em testes e provavelmente exitosas e que deveriam ter merecido um esforço de negociação do governo é inaceitável. Propor que iniciemos a vacinação em março e que no máximo alcancemos um terço da população em 2021 significa não realizar nenhum mínimo esforço de tentar oferecer alternativas à população. É uma pública capitulação. É um crime”, escreveu no Estadão o ex-presidente da Anvisa, Gonzalo Vecina.
Nesta quinta-feira, 600 litros da vacina da Sinovac desembarcaram em São Paulo, suficientes para o Instituto Butatan produzir 1 milhão de doses. O governador João Doria disse que pretende iniciar a vacinação em janeiro. No Brasil de Bolsonaro, os paulistas serão cidadãos de primeira classe, enquanto os demais ficarão sem vacina.
O Ministério informou que não poderia adquirir as vacinas da Pfizer em função da exigência de refrigeradores a menos 70 graus Celsius. Em entrevista ao jornalista Carlos Alberto Sardenberg, da CBN, o representante de um laboratório privado disse que poderia armazenar as doses para o SUS, mas o governo nunca os procurou. “Para correr atrás das vacinas, o governo Bolsonaro precisaria entender que a vacina é a condição para a retomada econômica. Como sempre pensou errado — tratar da doença ou da economia —, o país vai ficar, neste momento, com os dois piores resultados: com a Covid e sem a recuperação”, afirmou Sardenberg.
Num impasse desses seria de se imaginar um presidente preocupado, certo? Que nada! Em conversas com apoiadores no Palácio da Alvorada, Bolsonaro mostrou que só se preocupa consigo mesmo. “ Quem tomar (a vacina) vai saber o que está tomando e as consequências. Se tiver um efeito colateral ou problema qualquer, já sabem que não vão cobrar de mim”, declarou Bolsonaro.
Em nove meses, a Covid-19 matou 174 mil brasileiros e contaminou, pelo menos, outros 6,4 milhões. E o presidente ao invés de passar dia e noite tentando obter a vacina que vai proteger mais brasileiros, só pensa em não ser cobrado. Bem, se ele não quer ser cobrado por uma responsabilidade do governo, não deveria ter sido candidato. E fica a pergunta: e se fosse outro o presidente? Não havia como ser tão ruim.