A reabertura desordenada do comércio e das empresas, mesmo em cidades onde a Covid-19 está crescendo, representa uma vitória política do presidente Jair Bolsonaro. Sua postura negacionista, corresponsável pela morte de mais de 73 mil brasileiros, virou o “novo normal”. O debate sobre os cuidados necessário para evitar a propagação do vírus foi substituído pelas pressões de comerciantes, donos de escola, dirigentes de futebol, empresários de transporte e empregados com medo da demissão pela volta à normalidade. É como se todo mundo repetisse o que o presidente disse em 2 de junho, quando o Brasil chegou a 50 mil vítimas de Covid-19: “Eu lamento os mortos, mas é o destino de todo o mundo”.
O recuo de prefeitos e governadores frente à pressão pela retomada das empresas é também fracasso da ciência e da mídia. Desde o início da pandemia, veículos responsáveis abriram espaço para médicos e cientistas divulgarem cuidados básicos (uso de máscaras, álcool em gel, distanciamento social…) e os riscos da contaminação.
Por alguns meses, o medo do vírus fez com que milhões de brasileiros se cuidassem mais. Empresas se adaptaram ao home office, professores se viraram para dar aula online e a louça nossa de cada dia passou a ser o centro das tarefas domésticas.
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Clique e AssineNas últimas semanas, no entanto, é visível nas grandes cidades que a paciência passou do limite e que os cuidados se afrouxaram. É como se o tédio da quarentena fosse maior que o medo do vírus.
Bolsonaro está no centro desse desalento. O presidente boicotou seus ministros da Saúde, incentivou a transgressão da quarentena, fez troça do sofrimento dos contaminados e, uma vez doente, virou garoto propaganda de um remédio controverso.
É incerto se esta vitória parcial de Bolsonaro se sustentará. É gigantesca a possibilidade de ondas de contaminação com a reabertura de bares, estádios, salões de beleza, igrejas, shoppings, academias e escolas. O risco de um colapso nos hospitais cresce a cada concessão dos prefeitos, mas até lá cientistas e jornalistas precisam entender como erraram ao passar a mensagem e o que precisam fazer para convencer o público de que suas vidas valem mais que o tédio ou as bravatas de um político.