Todo presidente brasileiro pós-democracia acredita um pouco nas profetisas da peça escocesa de Shakespeare. A tragédia começa com três bruxas anunciado ao general Macbeth que ele será rei da Escócia. Uma dezena de vilanias e assassinatos depois, o coroado Macbeth volta às três videntes e pergunta o que lhe pode tirar o trono. Ao final, elas contam que ele “jamais será vencido até que a Grande Floresta de Birman vá até as alturas do Monte Dunsinane”. Confiante com a profecia irrealizável, o rei se prepara para enfrentar as tropas adversárias, quando é informado que os soldados inimigos avançam camuflados com troncos e galhos da floresta de Birman. Isolado, Macbeth sabe que a derrota é o seu destino.
No Brasil, as árvores da floresta de Birman se traduzem nas ruas cheias de gente. Enquanto a Avenida Paulista não encher e não sobrar lugar na avenida Atlântica, os presidentes brasileiros sabem que estão livres de um impeachment. Fernando Henrique Cardoso em 1999, Luiz Inácio Lula da Silva em 2005 e Michel Temer em 2017 tiveram momentos de fraqueza política, mas nunca enfrentaram a fúria da Avenida Paulista.
Em sua tese de mestrado, o jornalista João Villaverde compara os processos de impeachment de Getulio Vargas (em 1954), Fernando Collor (1992) e Dilma Rousseff (2016). Ele mostra que nos casos brasileiros são seis os fatores que, reunidos, levam a um impeachment: o equilíbrio institucional entre os braços de governo, a legalidade do processo, se o governo é minoritário no Congresso, o grau de impopularidade do presidente, as condições econômicas e o tempo que resta de mandato. Getulio Vargas estava prestes a concluir seu mandato e este foi um dos motivos que lhe ajudou a não ser afastado pelo Congresso. Collor e Dilma, por sua vez, ainda tinham mais de dois anos de mandato a cumprir, um tempo longo demais para o País se arrastar numa crise institucional, segundo o entender dos congressistas.
Há mais de 40 pedidos de processos de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro, mas o maior impeditivo a que ele seja julgado pelo Congresso é a falta de povo na rua. As normas sanitárias da pandemia impedem manifestações de massa, embora o próprio presidente ignore essas nuances. A questão é, e quando a pandemia arrefecer?
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Clique e AssineUm retrato de um futuro antibolsonarismo pode ser visto no “breque dos motoboys”, a greve dos entregadores de aplicativos que na terça-feira, 1°, parou São Paulo e outras capitais. Sem sindicato, acordo coletivo e direitos trabalhistas, os motoboys se organizaram via redes sociais, ganharam apoio dos clientes dos aplicativos e mostraram uma força política desconhecida. Em uma comparação sagaz, a antropóloga Rosana Pinheiro-Machado mostrou como o movimento dos motoboys tem similaridades com o dos caminhoneiros de 2018, outra categoria sem tradição sindical e que se organizou à margem do sistema política tradicional.
Com a classe média tradicional às voltas com a adaptação ao trabalho em casa, os sindicatos falidos e os partidos políticos com medo de uma intervenção militar, as ruas estão vazias. Por enquanto. As manifestações como a dos motoboys paulistanos e das torcidas de times de futebol em junho mostram que a insatisfação da sociedade é latente. O desastre na condução da pandemia, a recessão e os rolos de Fabrício Queiroz são motivos eloquentes para encher as ruas. Falta uma fagulha. Pode ser o fim da quarentena, um novo capítulo no escândalo Queiroz ou a ação de novos atores dispostos a encher as ruas, como foram os estudantes do ‘Fora Collor’ e a classe média tradicional contra Dilma. As árvores da Floresta de Birman ainda podem se mover em direção ao Monte Dunsinane.