A maior diferença de Jair Bolsonaro com outros líderes da extrema direita é a ausência de um partido para ecoar suas propostas, como a Liga do italiano Matteo Salvini, o Fidesz do húngaro Viktor Orban e o polonês Lei e Justiça. Donald Trump nunca teria sobrevivido aos ataques do establishment liberal americano sem as conexões do Partido Republicano e a francesa Marine Le Pen jamais teria uma carreira se não houvesse tomado o partido do pai. Bolsonaro, no entanto, opera em outra sintonia.
O presidente está perto de se filiar pela nona vez, agora no Patriotas. Ele que já foi do PDC (1988-93), PPR (1993-95), PPB (1995-2003), PTB (2003-2005), PFL (2005), PP (2005-2016), PSC (2016-2017) e o PSL (2018-2019), vai assumir mais uma legenda de aluguel em troca da autonomia completa sobre a campanha e os candidatos. O Patriota é uma dessas siglas gelatinosas que no passado, com o nome de Partido Ecológico Nacional, tentou ser o abrigo de Marina Silva.
No ano passado, a família Bolsonaro ensaiou criar uma legenda própria, a Aliança para o Brasil. Foi um fracasso. O partido não conseguiu o número mínimo de assinaturas, tarefa que quase 40 legendas conseguiram sem ter por trás um presidente da República. O fracasso da Aliança, no entanto, reforça uma das mais caras características do bolsonarismo, ser contra tudo isso que está aí.
O desleixo de Bolsonaro com a vida partidária faz parte da sua persona pública. Escolher um partido de aluguel apenas porque é obrigado permite a Bolsonaro manter o discurso antissistema que lhe caiu tão bem em 2018. Poucas coisas são tão odiadas no Brasil quanto partidos políticos. Na última pesquisa Ipespe/XP sobre confiança das instituições, os partidos estão em último lugar, com 85% de desconfiança, um pouco melhor que a Câmara dos Deputados e o Senado. Ser contra os partidos é um ativo eleitoral.
O presidente tem o privilégio de poder planar acima da vida partidária porque tem a retaguarda de das duas mais tradicionais forças políticas brasileiras, o Centrão e o Exército. Depender do Centrão obrigou Bolsonaro a conceder ao presidente da Câmara, Arthur Lira, mais poder que qualquer antecessor. Base parlamentar de todos os governos que não caíram por impeachment, o Centrão ganhou nos últimos meses o controle do orçamento público, através das opacas emendas do relator. Arthur Lira conseguiu em meses o que Eduardo Cunha apenas sonhou.
O Exército, ou o Partido Militar na definição do coronel da reserva Marcelo Pimentel, é uma operação de ocupação. São quase 7 mil cargos de confiança na administração federal, onze ministérios e estatais como Petrobras, Correios, Nucleobras e Itaipu, um recorde mesmo se comparando com os governos militares. Essa base militar difunde o bolsonarismo em quase todos os ministérios e estatais, completando o aparelhamento ideológico da máquina.
Quando Bolsonaro trocou o olavista Ernesto Araújo por um burocrata no Ministério das Relações Exteriores alguns compararam com a Nacht der lagen Messer (a noite dos longos punhais), na qual Hitler executou adversários internos no partido nazista, incluindo os líderes da paramilitar Sturmabteilung (SA). É um anacronismo incorreto. Se de fato, Bolsonaro está neste momento afastado do olavismo, a sua tropa de assalto digital segue sendo o eixo da sua comunicação.
A agenda e os discursos de Bolsonaro são feitos para a propagação de sua cantilena pelas suas tropas de assalto que operam como uma organização partidária. Nesta semana, o ministro Alexandre de Moraes tornou público detalhes das investigações sobre a rede digital bolsonarista, incluindo as conversas em que o ex-chefe de comunicação do governo, Fábio Wajngarten, negocia com um empresário a criação de uma operação de contrainteligência informal nas redes sociais.
Com o apoio do Centrão e do Exército, Bolsonaro não precisa de um partido formal, mas de uma rede atomizada de apoiadores conectados não pela burocracia de diretórios municipais, mas por correntes de WhatsApp e Telegram. Competente, essa rede de informação digital organiza, direciona e distribui a versão bolsonarista dos fatos, sem a intermediação dos políticos locais ou dos veículos tradicionais.
Na feliz definição do cientista político Miguel Lago na revista Piauí, Bolsonaro ultrapassou os limites de um político e virou um perfil de rede social. Escreveu Lago: “Bolsonaro nomeia seus inimigos e os obriga a fazer oposição nos seus termos. Seus opositores podem até escolher as palavras, mas o conteúdo de seus discursos é definido pela gramática desenhada por Bolsonaro. Seus constantes ataques verbais às instituições e os ensaios de golpe obrigam seus opositores a adotar um discurso de defesa do estado democrático de direito. Quanto mais as oposições insistem em se contrapor ao presidente com base nesses valores, mais encarnam esse inimigo enunciado e denunciado por ele: uma elite aprisionada pelo politicamente correto, corrupta, globalista, esquerdista, afastada da nação, dos valores, da realidade do povo e que se julga moralmente superior”.
Livre das amarras partidárias, seguro do apoio do estamento do Centrão e do Exército, Bolsonaro pode fazer política sem dizer que está fazendo política, num governo de conflitos constantes em que Bolsonaro se coloca como o único representante do povo. Todas as quintas-feiras, ele abre a biblioteca do Palácio do Alvorada para as transmissões de seus discursos no Facebook, numa prestação de contas combinada com conversa. Bolsonaro despreza os partidos porque ele já os superou como forma de se conectar com seu público.