A independência de Zema
Governador de Minas testa ser o herdeiro do bolsonarismo sem Bolsonaro
O governador Romeu Zema tateia no escuro para achar um caminho para herdar a massa de antipetistas organizada em torno de Jair Bolsonaro. O descarrilamento do poder político de Bolsonaro é um fenômeno ainda em curso, mas o fato de um eventual sucessor buscar luz própria indica que ele considera a perda de influência do ex-presidente como inevitável. Medir o poder de Bolsonaro em transferir sua popularidade para outro é o maior desafio da direita brasileira.
Na semana passada, Zema participou, em Belo Horizonte, de evento da Conservative Political Action Conference, organização norte-americana trazida ao Brasil por Eduardo Bolsonaro, e tentou colocar a cabeça para fora. “No ano que vem, temos de eleger bons vereadores e bons prefeitos aqui em Minas e em todo Brasil e a direita precisa trabalhar unida, nós temos de estar juntos, não podemos…”, disse o governador, sendo interrompido em seguida aos berros por uma mulher que disse ter sido demitida da estatal Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais) por não ter se vacinado contra a Covid-19. Zema encerrou o discurso imediatamente.
“Muito bacana esse papo de unir a direita, mas quando se olha a realidade, quem propaga não mexe uma palha pela tal ‘Direita’. Não pergunta. Não oferece ajuda. Não articula. Finge de morto. Típico gafanhoto”, escreveu o porta-voz informal de Bolsonaro, Fabio Wajngarten.
A diferença de outros políticos é que Zema não recuou. “Sou de um partido diferente dele (Bolsonaro). Durante a pandemia, tive uma posição totalmente diferente da dele. Tanto é que Minas Gerais foi o estado, excluindo os do Norte e Nordeste, com a menor taxa de mortalidade no Brasil. Está aí um exemplo claríssimo”, disse. E cutucou os filhos do ex-presidente: “em Minas Gerais, apesar de nós termos 320 mil funcionários públicos, eu não tenho nenhum parente. Então, também temos aí uma diferença. Família para lá, negócios e carreiras para cá. São algumas diferenças”, disse.
A reação foi imediata. Eduardo Bolsonaro lembrou de uma reportagem de que lojas de Zema foram flagradas abertas em meio ao isolamento social para ironizar: “‘Vamos unir a direita’, ‘Família para lá, negócios para cá’. A propósito, eu e meus irmãos fomos eleitos (e bem eleitos graças ao Jair Bolsonaro)”, disse o filho 03. O filho 02, Carlos Bolsonaro, chamou o governador de Minas de “insosso e malandro que traz consigo uma colocação ardilosa digna de João Doria, aquele que pede desculpas a Lula depois de sempre ter usado Bolsonaro”.
É uma tática nova. Zema tentava até aqui colar o seu nome a Bolsonaro. Ele apoiou o ex-presidente com vigor no segundo turno de 2022, quase virou o jogo em Minas Gerais, foi o único governador a ecoar as suspeitas de que o governo Lula permitiu os ataques de 8 de janeiro, e em agosto entregou a Bolsonaro o título de cidadão honorário de Minas. O título havia sido concedido em 2019 e foi desengavetado por Zema sem necessidade, além de mostrar um desagravo a Bolsonaro depois da decretação da sua inelegibilidade e do escândalo das jóias. Como a tentativa de aproximação não funcionou, Zema escolheu outro caminho. O governador não deve apoiar o candidato de Bolsonaro a prefeito de Belo Horizonte, o deputado estadual Bruno Engler.
Na cidade de São Paulo, onde segundo o Datafolha 68% dos entrevistados disseram se recusar a votar num candidato apoiado por Bolsonaro, o prefeito Ricardo Nunes também ensaia independência. Depois de tentar e não conseguir um apoio explícito do ex-presidente, Nunes disse não ter “proximidade” com o ex-presidente, embora continuasse aguardando seu apoio. Coube a Wajngarten novamente admoestar a tentativa de autonomia. “Ninguém, repito ninguém, se apropriará de votos bolsonaristas e deixará Bolsonaro distante”, escreveu. As movimentações de Zema e Nunes mostram que eles não acreditam nisso.