O governo Lula chega ao seu terceiro dia precisando urgentemente de um freio de arrumação. Há uma cacofonia de vozes, opiniões desencontradas e um clima de que os novos ministros ainda falam como se estivem em cima de um palanque. Algumas divergências, como as dos ministros da Justiça e Defesa e do ministro da Fazenda e a presidente do PT, podem gerar crises sérias se não forem debeladas.
As principais divergências
Responsabilidade fiscal
No seu discurso de posse, o ministro da Economia, Fernando Haddad, se esforçou em ressaltar que o novo governo será responsável fiscalmente. “Assumo com todos vocês o compromisso de enviar, ainda no primeiro semestre, ao Congresso Nacional, a proposta de uma nova âncora fiscal que organize as contas públicas, seja confiável, e, principalmente, respeitada e cumprida”. No mesmo dia, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, minimizou ao Globo as preocupações sobre gastos públicos. “Quem pode esperar um pouquinho mais? A pessoa que está passando fome ou o mercado? Isso, a gente tem sempre que ter em mente: o mercado não morre de fome”, disse.
Imposto sobre combustíveis
Na terça-feira, dia 27, Haddad anunciou que, por ordem de Lula, pediu à então equipe econômica que não editasse nenhuma medida com impacto para 2023, incluindo a desoneração do Pis/Cofins sobre os combustíveis. “Para não tomar nenhuma decisão açodada, o governo atual se abstém, e a gente, com calma, avalia. Estamos a três dias da posse, qual a urgência de tomar uma medida? Sobretudo medidas que podem ser tomadas no futuro próximo”, justificou Haddad. O mercado compreendeu a decisão com um gesto para aumentar a arrecadação sobre combustíveis e diminuir o déficit fiscal. A bolsa subiu.
Na sexta-feira, 30, no entanto, Gleisi Hoffmann disse à Globonews que “não sabia” de uma decisão e que pessoalmente defendia prorrogar a desoneração dos combustíveis para que não houve um aumento de preços já no primeiro dia útil do governo Lula. Na mesma tarde, o presidente indicado da Petrobras, Jean Paulo Prates, defendeu manter a desoneração até que ele tomasse posse e apresentasse um anova fórmula de preços dos combustíveis.
Apenas no domingo, dia da posse, é que o governo confirmou que Lula enviaria uma medida provisória prorrogando a isenção do diesel por um ano e da gasolina por 60 dias. O mercado leu a notícia pelo seu valor de face: Haddad havia sido derrotado por Hoffmann. A bolsa caiu 3% e as ações da Petrobras 6%.
Acampamentos bolsonaristas
No dia de Natal, o ministro da Justiça, Flavio Dino, afirmou que os acampamentos de bolsonaristas em frente dos quartéis são incubadoras de terroristas. Ao tomar posse na segunda-feira, dia 2, o ministro da Defesa, José Múcio, disse que as manifestações são “democráticas”.
Na posse do ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, a plateia vaiou quando o locutor anunciou o nome do presidente da Câmara, Arthur Lira, que não estava presente. Ninguém repreendeu os manifestantes. Não há a hipótese de o governo Lula aprovar um nome de rua sem o aval de Lira.
Revisão de reformas
Sem combinar com Fernando Haddad, o ministro da Previdência, Carlos Lupi, anunciou que vai criar comissão tripartite com representantes patronais, de empregados e do governo para estudar uma possível revisão da reforma da Previdência. Na sua posse, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, falou que o novo governo fará uma revisão “fatiada” da reforma trabalhista. As duas falas foram genéricas sem detalhar o que exatamente o novo governo pretende mudar.
Saneamento
As medidas provisórias transferindo a Agência Nacional de Águas (ANA) do Ministério de Desenvolvimento Regional (MDR) para o Meio Ambiente (MMA) deixaram brechas que tiram da agência o papel de editar normas sobre regulação de serviços de água e esgoto, um dos pilares do marco do saneamento. A mudança gera insegurança jurídica.
Eleições 2026
Em entrevistas nesta segunda-feira, o ministro da Casa civil, Rui Costa, afirmou que não considera “um fato consumado” a decisão do presidente Lula não se candidatar à reeleição em 2026. A promessa de um mandato único foi feita por Lula para atrair apoios no segundo turno.