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Este é um espaço dedicado às séries e minisséries produzidas para a televisão. Traz informações, comentários e curiosidades sobre produções de todas as épocas.

Opinião: ‘Os Experientes’

Entre abril e maio, a Rede Globo exibiu Os Experientes, uma série (ou seria minissérie?) que tem como objetivo retratar a vida de pessoas que chegaram à terceira idade. Uma proposta ousada, se considerarmos o fato de que a televisão (mundial) enaltece a juventude. Produzida pela produtora independente O2, a série teve quatro episódios escritos por Antonio […]

Por Fernanda Furquim Atualizado em 31 jul 2020, 01h15 - Publicado em 31 Maio 2015, 13h25

S1OE-3

Entre abril e maio, a Rede Globo exibiu Os Experientes, uma série (ou seria minissérie?) que tem como objetivo retratar a vida de pessoas que chegaram à terceira idade. Uma proposta ousada, se considerarmos o fato de que a televisão (mundial) enaltece a juventude. Produzida pela produtora independente O2, a série teve quatro episódios escritos por Antonio Prata e Márcio Alemão, com direção de Quico e de seu pai Fernando Meirelles, bem como de Gisele Barroco. Visto que foram apenas quatro histórias, farei um breve comentário sobre cada uma delas.

Na primeira,  Yolanda (Beatriz Segall) é uma senhora que se torna refém quando o banco onde está é assaltado por Kléber (João Cortês) e seus companheiros. A ideia aqui era a de mostrar a forma como uma pessoa de idade é subestimada pela sociedade, que mal percebe sua presença. Vista por aqueles que a cercam como uma pessoa frágil e de raciocínio limitado, que poderia se tornar um estorvo, Yolanda se revela uma mulher determinada, com uma visão muito clara daquilo que está acontecendo à sua volta, e peça chave para colocar um fim à situação, sem derramamento de sangue. Ao longo do episódio, o público percebe uma inversão, quando o passado de Yolanda e o de Kléber começa a ser mostrado. Ela não é uma vítima totalmente inocente e ele não é um bandido cruel.

Apesar das boas intenções, o episódio é fraco, pois passa por cima de detalhes que dariam credibilidade à trama, desperdiça momentos e emburrece personagens para valorizar a protagonista. O desempenho de Segall, que consegue construir uma personagem consistente, salva a história que a toda hora entra no nível da caricatura. O que mais pesa contra o episódio é a forma simplista e superficial com a qual os personagens coadjuvantes foram construídos. Kléber, um sujeito romântico, ingênuo e bem intencionado que cometeu um erro de julgamento, é um completo clichê, tanto em sua personalidade quanto em sua história. Com isso, logo na primeira cena o telespectador é capaz de adivinhar sua trajetória. Já os policiais são diminuídos em sua ação para que possam ficar à mercê de Yolanda e de sua capacidade para convencer o bandido a se entregar. Uma situação típica de séries e filmes americanos que elegem heróis anônimos, copiada à risca pela produção brasileira.

Yolanda e Kléber (Fotos: Rede Globo/Divulgação)

Yolanda e Kléber (Fotos: Rede Globo/Divulgação)

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Teria sido mais interessante se os roteiristas restringissem o episódio à relação que surge entre Yolanda e Kléber, mantendo o foco da história, eliminando as situações vazias, algumas desnecessárias, construídas com o objetivo de enfatizar aquilo que já estava sendo visto. Me refiro às cenas com os policiais e a cobertura da mídia, que apenas enfraqueceram a trama.

Se o episódio tivesse iniciado já com o assalto em andamento, o público não teria ideia do nível de periculosidade do bandido. No diálogo entre os dois protagonistas descobriríamos, junto com Yolanda, o tipo de pessoa que Kléber é, e vice-versa. A atitude do jovem para com ‘a velha’ já seria suficiente para retratar a imagem que a sociedade faz do idoso. Manter o público distante da polícia elevaria o nível de suspense, pois estaríamos vivendo a mesma situação que os dois, sem saber o que acontece no mundo lá fora (saberíamos apenas o que os dois sabem). Desta forma, o final que foi oferecido pelos roteiristas teria um impacto muito mais profundo.

O segundo episódio é o pior da série. Completamente desnecessário, ele desperdiçou uma oportunidade de apresentar a vida de três homens que tentam seguir em frente após perder de forma trágica um amigo e companheiro de longa data. Na história, quatro sambistas (Germano Mathias, Goulart de Andrade, Zé MariaWilson das Neves), que já conheceram o sucesso, se apresentam em shows e eventos de pequeno porte, vivendo a decadência do grupo. A bebida e a depressão levam um deles a se matar. Sua morte é coberta pela mídia, o que promove a ressurreição do grupo. Após contratar uma jovem cantora para substituir o vocalista morto, eles voltam a se apresentar e a fazer sucesso. Mas ela logo se revela uma mulher disposta a controlar o grupo, promovendo discórdia.

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Os sambistas

Os sambistas Zé Maria e Wilson das Neves

Compreendo que a Rede Globo tenha tido interesse em inserir uma história cômica para suavizar o peso das demais, muito embora ela não tenha nenhuma graça. Mas ela destoou do restante, puxando o nível de qualidade da série para baixo. O maior problema do episódio é a quantidade de informações que os roteiristas tentaram passar em tão pouco tempo.

Em apenas 33 minutos de duração, o episódio introduz os personagens e sua situação, mata um deles, apresenta a reação dos colegas, renova o interesse da mídia em torno do grupo, introduz uma nova protagonista na trama, traça a nova ascensão dos sambistas, revela a personalidade da vocalista e a forma como ela toma as rédeas da situação, mostra as consequências desta atitude em relação ao agente que trabalhava com os músicos, apresenta a discórdia que surge entre dois dos integrantes (desprezando o terceiro, que não tem grande visibilidade na trama), e oferece uma conclusão que, pela forma como foi apresentada, foi forçada. Não é preciso dizer que, para fazer tudo isso, foi necessário superficializar a situação e os personagens. O objetivo foi alcançado: o episódio ficou leve. Mas eles escreveram ‘um cartão postal’, quando poderiam ter oferecido uma ‘bela carta’.

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Os três (inicialmente quatro) personagens mereciam ter sua história apresentada ao público, sem a interferência de terceiros (que nada acrescentaram à trama), ou o sensacionalismo e a superficialidade adotados pela trama. Bastaria ter mantido o foco nos sambistas, apresentando a desistência de um, enquanto os demais decidem continuar vivendo. Não era necessário mostrar a forma como eles se reinventam, isto poderia ficar subtendido. Bastaria nos mostrar os três sobreviventes conversando sobre sua trajetória no funeral (coberto ou não pela mídia), relembrando canções, bons e maus momentos, lições aprendidas, oportunidades perdidas, e a conclusão de que a vida só acaba quando a morte chega. Tudo isto poderia ser feito de forma leve, alternando entre drama e comédia.

Juca de Oliveira e Dan Stulbach

Napoleão e Luiz

O terceiro episódio é o que salva a série. Enxuto, focado e com bons personagens, ele respeita opiniões opostas e ainda oferece coadjuvantes que revelam uma forte presença e estabelecem sua própria trajetória, embora elas não sejam trabalhadas, sendo apenas percebidas.

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Na história, Napoleão (Juca de Oliveira), um advogado bem sucedido, mas endurecido por suas perdas pessoais, é informado por seu médico (Lima Duarte) que tem apenas doze meses de vida. Tem início o dilema de Napoleão: ele deve ou não contar a verdade ao filho Luiz (Dan Stulbach)? Sem adotar o dramalhão típico das novelas, a história apresenta a relação delicada que existe entre os dois.

Agressivo, defensivo, mau-humorado e cínico, Napoleão decide passar um dia na companhia do filho, com quem terá uma longa e, provavelmente, última conversa. Em duas semanas, Luiz partirá para a Europa, onde ficará trabalhando por dois anos. Evitando ser direto ou emotivo, Napoleão compartilha com o filho lembranças de sua relação com a esposa, revê lugares que marcaram sua vida e lhe apresenta velhos amigos. Luiz, não compreendendo a razão desta jornada sentimental, e sentindo saudades de uma infância que nunca teve, vai conhecendo aos poucos o homem que existe por trás do pai, bem como a mulher que foi sua mãe na juventude.

Pelos diálogos, o episódio desdobra a relação de pai e filho, galgada no respeito mútuo (cada um à sua maneira), revelada ao público aos poucos, pacientemente, sem sobrecarregar o episódio ou o telespectador. Com um diálogo tranquilo, suave, os dois dizem o que sentem e o que pensam, cobrando um do outro o que poderia ter sido dito ou feito. O momento mais emotivo (a conversa no cemitério), que poderia ter comprometido o episódio, foi muito bem trabalhada, mantendo a coerência dos personagens e controlando o rumo das revelações, definindo um equilíbrio da carga emocional.

Francisca e Maria Helena
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Francisca e Maria Helena

O último episódio comete os mesmos erros do primeiro. As duas protagonistas receberam mais atenção dos roteiristas, que transformaram os coadjuvantes, em especial o filho, em caricaturas, o que perpetua uma visão estereotipada. Considerando que a série busca eliminar o estereótipo que existe em torno de um segmento, não faz sentido ela adotar este tipo de visão em torno de outros.

Na história, após anos de casada, cinco dos quais passou cuidando do marido doente, Francisca (Selma Egrei, de Sessão de Terapia) se torna uma viúva. Ainda no cemitério, o público percebe que ela não tinha pelo marido um grande apreço, ao contrário do filho Daniel (Eucir de Sousa, de fdp), que tem dificuldades de aceitar a perda do pai. Ao longo do episódio, vemos a luta de Francisca para não cair na depressão ao perceber que desperdiçou seu tempo com um homem que a traía. Aos poucos, ela vai estreitando sua amizade com a vizinha, Maria Helena (Joana Fomm), uma artista plástica que perdeu a mãe, uma senhora que estava sob os cuidados da filha nos últimos anos de vida. A amizade logo se transforma em um relacionamento amoroso. Surpresa por ter prazer em se envolver com outra mulher, Francisca decide assumir esta relação. No entanto, o filho, um homem antiquado e machista, se recusa a permitir que a mãe sustente uma relação homossexual.

Pela forma como o roteiro trabalha a história, Francisca e Maria Helena passam por uma transição difícil, mas trabalhada de forma delicada, sensível e leve. O problema do episódio está na relação de Francisca e Daniel,  o gerente do banco que foi assaltado no primeiro episódio. Lá, ele já demonstrava ser um homem egoísta, que não leva em consideração os problemas do próximo, tomando atitudes insensíveis para lidar com qualquer situação. O último episódio da série, no qual ele perde o pai, é o momento em que Daniel teria a oportunidade de expressar suas opiniões, esteja ele certo ou errado.

No entanto, o que os roteiristas fizeram foi limitar o personagem, com o objetivo de usá-lo apenas como um obstáculo para Francisca. Com isso, tudo o que ele consegue é ser o vilão infantilizado da trama e perpetuar a visão generalizada que a sociedade tem do tipo que ele representa. Em nenhum momento vemos o personagem como um ser humano que tem opiniões ou sentimentos, que foram formados ao longo de sua própria história. Assim, os roteiristas conduzem a opinião do telespectador, levando-o a concordar (ou simpatizar) com a situação de Francisca e desprezar a atitude incorreta de Daniel.

Para piorar, o episódio termina com um discurso moral, proferido pela ‘professora’ Francisca para ‘uma classe de alunos’, sentados em meia lua, cabisbaixos e silenciosos, ouvindo atentamente as lições de vida que ela tem para lhes dar. A história encerra com Francisca e Maria Helena entrando no carro, partindo rumo ao seu futuro, à la Telma & Louise.

Por curiosidade, caso alguém não tenha percebido, a série introduziu personagens de uma história como coadjuvantes ou figurantes em outras. Além de Daniel, visto no primeiro e último episódio, temos também Francisca e Maria Helena, que vão assistir a um dos shows dos sambistas do segundo episódio; um dos policiais que cercaram o banco no primeiro episódio aparece na lanchonete do terceiro, onde quase leva uma surra do dono; Napoleão e Luiz são vistos no cemitério no dia em que Francisca enterra o marido. Neste mesmo episódio, o advogado de Napoelão, e sua secretária, são dois dos convidados de Daniel na festinha que ele dá para a mãe.

Apesar de não ter conseguido ser bem sucedida em sua empreitada, a série conseguiu oferecer bons momentos, que revelam seu potencial, se bem trabalhado. Seu maior mérito é seu tema, pouco explorado pelas produções seriadas, não apenas brasileiras, mas também americanas. Geralmente, são as séries britânicas que trabalham com mais regularidade o estilo de vida das pessoas que estão passando pela terceira idade, embora lá também se critique a falta de espaço para este segmento.

Para aqueles que não conseguiram acompanhar Os Experientes quando exibida na TV, os quatro episódios ainda estão disponíveis na íntegra para os assinantes da Globo Vídeo.

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Cliquem nas fotos para ampliar.

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