‘True Detective’ volta ao auge com Jodie Foster e assombrações escabrosas
Em sua nova temporada, a série da HBO promove uma notável retomada criativa ao apostar numa trama sobre as mulheres — e seus fantasmas
Localizada quase 200 quilômetros acima do Círculo Polar Ártico, a minúscula Ennis vê uma sina se repetir: toda vez que o Natal está chegando, a noite boreal instala-se por meses no lugarejo por si só melancólico, tornando tudo ainda mais gélido e soturno. No perturbador cenário de True Detective: Terra Noturna, que estreia na HBO neste domingo, 14, a xerife Liz Danvers (Jodie Foster) e a policial Evangeline Navarro (Kali Reis) não passam incólumes aos traumas de cada inverno. E que inverno é esse que se anuncia. Ambas, cada qual a seu modo, buscam se distanciar do mal-estar que divide a comunidade fictícia do Alasca, na qual trabalhadores americanos — brancos, negros ou latinos — exploram uma mina e se estranham com indígenas em luta para sobreviver em meio à poluição brutal. Mas isso é francamente impossível: Danvers faz o que pode, em vão, para sua enteada não resgatar as origens nativas do pai morto e se envolver em arriscados protestos políticos; Navarro tenta, mas já não consegue negar suas próprias ligações de sangue com um povo disposto a brigar até o fim por suas crenças e direitos. Uma chacina tétrica virá romper o fiapo de equilíbrio que ainda resta em Ennis — revelando que a noite boreal, mais que um evento climático, é uma metáfora do pesadelo que não só as duas detetives, mas muitas outras mulheres no mundo, são obrigadas a atravessar.
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O crime que permeia Terra Noturna não é menos escabroso (e intrincado) do que os casos que deram fama à série. Pelo contrário: oito cientistas de uma base de pesquisa que investiga a origem da vida em microrganismos coletados das profundezas do gelo desaparecem; horas depois, seus corpos são encontrados dentro de um cubo de gelo, em poses dilacerantes. No inóspito laboratório, a equipe de Danvers descobre uma pista lúgubre: o assassino deixou lá uma língua humana feminina, que Navarro acredita ser de Annie K, ativista indígena assassinada anos antes e cuja morte nunca foi solucionada. Na época, ela protestava contra a mina que movimenta a economia da cidade, mas contamina os rios que sustentam o povo Inuíte.
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A nova True Detective mantém-se fiel, assim, à premissa que consagrou a série: nas quatro temporadas, a investigação se imbrica com os tormentos dos protagonistas, cujos fantasmas pessoais revelam-se tão ou mais apavorantes (e reais) que os crimes à sua volta. A receita criada pelo roteirista Nic Pizzolatto rendeu sucesso de público e crítica à primeira temporada, com Woody Harrelson e Matthew McConaughey. Depois, no entanto, a série foi se fechando num universo masculino previsível e perdeu voltagem. Agora, sofre uma santa guinada de gênero: o atributo principal da nova trama é o olhar feminino afiado na frente e atrás das câmeras. Além de duas protagonistas mulheres pela primeira vez, a série tem como criadora e diretora a mexicana Issa López. “A perspectiva feminina é importante para lapidar as personagens”, disse Jodie Foster a VEJA (leia entrevista).
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Apesar de a opressão masculina ser elemento insidioso, e por vezes escancarado, obrigando Danvers e Navarro a lidar com comportamentos machistas, elas não tentam levantar uma bandeira feminista. As protagonistas se unem, mesmo se detestando, para chegar à verdade, já que são tão erráticas quanto os homens e ainda carregam traumas. Sagaz, mas irascível, Danvers dá seus deslizes ao dormir com o chefe nas horas vagas, em uma relação de poder deturpada; atormenta o novato Prior (Finn Bennett), a quem ordena tarefas nas horas mais inconvenientes; e ainda luta para criar sua enteada rebelde Leah (Isabella LaBlanc). Já a musculosa Navarro (Kali é ex-boxeadora na vida real) tem temperamento estourado, vive de caso com um dono de bar e tenta cuidar da irmã, com crises de bipolaridade.
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Enquanto as investigações avançam, com a descoberta dos corpos nus dos cientistas no bloco de gelo, as relações interpessoais das parceiras se deterioram — mas, assim como outras heroínas complicadas da melhor ficção criminal, como a temerária personagem de Helen Mirren em Prime Suspect (1991) e a detetive de Olivia Colman em Broadchurch (2013-2017), elas extrairão alguma sabedoria, para o bem ou para o mal, de suas agruras. O crime abaixo de zero é fichinha perto das complexidades femininas.
Publicado em VEJA de 12 de janeiro de 2024, edição nº 2875
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