The New Look e mais: séries revelam polêmicas por trás do glamour da moda
Minissérie da Apple TV+ que narra a rivalidade dos estilistas Coco Chanel e Christian Dior na Paris da II Guerra reforça o filão
Em 12 de fevereiro de 1947, o estilista Christian Dior (1905-1957) apresentou ao público em Paris sua primeira coleção autoral. Composto de duas linhas, Corolle e Huit, o conjunto passaria à história como responsável por reerguer a alta-costura parisiense no pós-guerra. Por isso, ganharia uma alcunha simbólica: pouco após a apresentação dos modelos, a editora de uma revista de moda atestou que a coleção era revolucionária e apresentava ao mundo um “novo visual”, eternizando o trabalho inaugural da Casa Dior. O termo agora intitula uma minissérie envolvente da Apple TV+, com os três episódios já disponíveis na plataforma. Protagonizada por Ben Mendelsohn, The New Look viaja ao passado para narrar a história da moda francesa por meio de seus estilistas mais icônicos, fortalecendo uma tendência que ganhou corpo no streaming nos últimos anos: a de produções que olham o negócio para além do glamour das passarelas.
Christian Dior: The Illustrated World of a Fashion Master
Entre os exemplares recentes do filão, há também a ótima Cristóbal Balenciaga, do Star+, que se debruça sobre a vida e carreira do estilista espanhol que rivalizou com os franceses ao se fixar no país após a Guerra Civil na Espanha. Lançada há três anos, Halston, trágica biografia do costureiro americano de mesmo nome produzida por Ryan Murphy na Netflix, já atestava a principal força das novas produções: revelar as vidas dramáticas, polêmicas e às vezes heroicas dos criadores de grifes famosas — mundinho normalmente associado à superficialidade fútil. A safra deve se ampliar ainda este ano com Kaiser Karl, produção do Disney+ sobre o alemão Karl Lagerfeld (1933-2019), mentor criativo essencial de marcas como Chanel e Fendi por décadas.
Entre ateliês e passarelas, as tramas fashionistas usam da curiosidade pelo universo do luxo para atrair o público. O apetite voraz pela temática tem motivo: “Parte do fascínio da moda acontece porque essas marcas estão presentes em todos os lugares”, analisou a VEJA Ben Mendelsohn, que vive Dior na série da Apple. A nova leva de produções não só ilumina os nomes por trás das marcas que ocupam as vitrines mais cobiçadas do mundo, mas disseca inclusive o passado obscuro da indústria da moda.
Ao retratar a rivalidade dos contemporâneos Dior e Coco Chanel (Juliette Binoche), The New Look volta à França ocupada pelos nazistas para mostrar que, para além dos vestidos de gala e chapéus esvoaçantes da alta-costura, há também uma história de colaboracionismo e sobrevivência. “Não é sobre tecidos e moda. É a história da ocupação da França na II Guerra, com essas duas pessoas importantes e conquistadoras buscando seu caminho em meio a isso”, explica Mendelsohn. Com a França dominada pelos nazistas, muitos dos estilistas da época, por medo ou interesse, se renderam à tirania alemã: Dior e Balenciaga, por exemplo, faziam vestidos para as esposas de generais da SS, mesmo que não nutrissem simpatia declarada pela ideologia de Hitler. Em casa, inclusive, Dior apoiava a irmã Catherine, a Miss Dior, uma agente ativa da resistência francesa enviada aos campos de concentração depois de ser sequestrada e torturada pelos alemães.
Com Chanel, o buraco era mais embaixo. Apesar de ter fechado seu ateliê durante a guerra, ela tinha laços estreitos com os nazistas: descrita como antissemita por amigos, viveu um romance com um espião alemão, negociou favores com os oficiais de Hitler e chegou a atuar como agente do regime, ajudando em conexões com pessoas influentes. “Nossa ideia é mostrar o que estava acontecendo por trás das cortinas, o que levou a essas decisões. E as decisões da Chanel são muito controversas”, explicou Juliette Binoche a VEJA.
Dior for ever (edição em português)
A questão política, no entanto, não é a única tratada nessas tramas. O mundo fashion também é dissecado através de uma outra perspectiva: a de que, apesar de todo o brilho cintilante nas passarelas, o trabalho nos bastidores não é nada luxuoso e exige muito suor de todos os envolvidos. Em Halston, o estilista americano Roy Halston Frowick (1932-1990) passa por diversos altos e baixos na carreira e chega a perder até mesmo o direito de usar o próprio nome em suas criações, ilustrando o jogo de poder e influência nessa indústria.
A moda e seu papel social: Classe, Gênero e Identidade das Roupas
Colocar a mão na massa no cotidiano de uma grife também não é simples. Intérprete do estilista Lucien Lelong em The New Look, John Malkovich tem extensa ligação com a moda e chegou a lançar sua própria grife. Acostumado às linhas e tecidos, ele explica que não há nada de tão excepcional no dia a dia. “A passarela pode parecer pomposa, e até um pouco estúpida para mim, mas o trabalho em torno dela não é fácil. Os olhos lacrimejam, o nariz fica cheio de fragmentos de tecido, o dia é superlongo”, diz o ator. Nem tudo que reluz é ouro — especialmente no mundo da moda.
Publicado em VEJA de 16 de fevereiro de 2024, edição nº 2880