‘Sob Pressão’ relembra que problemas brasileiros vão além da pandemia
A quarta temporada da série traz discussões sobre fome, desemprego e brutalidade policial, enfrentadas pelos médicos do SUS

A quarta temporada de Sob Pressão, que estreou nesta quinta-feira, 12, na Globo, precisou de apenas um episódio para mostrar a que veio. Na atração, a pandemia está relativamente controlada e aparece apenas em segundo plano. Desta forma, a série volta a focar em seu tema original: ao retratar o cotidiano dos médicos do SUS (Sistema Único de Saúde), o roteiro reforça que os nossos problemas estão longe de desaparecer diante de um futuro controle do vírus. “Quem foi que disse que aqui seria mais tranquilo que o hospital de campanha?”, questiona Carolina. “Mais um dia na saúde pública do Brasil”, responde Evandro ao final do episódio.
Logo nos primeiros minutos os dois protagonistas se deparam com um morador de rua, que parece lidar com problemas mentais e esfaqueia um motorista. Evandro tenta controlá-lo e consegue levá-lo, junto com o homem atingido, para a emergência, depois de ele mesmo sofrer um corte superficial no abdome. Enquanto ele é suturado e outros cirurgiões tentam salvar a vida do morador de rua e do motorista, os médicos ainda precisam lidar com a esposa grávida do homem esfaqueado, que dá entrada no hospital com a pressão nas alturas, colocando em risco a vida dela e do bebê.
Como já é de praxe na série, os médicos precisam driblar a falta de estrutura entre uma sutura e outra e chegam a usar leite no meio da cirurgia por falta da substância adequada. O momento mais tocante do episódio, no entanto, ocorre em uma cena que parece passar longe da ficção: no corredor lotado do hospital, um garotinho chega pedindo por socorro para a mãe, que desfalece ali mesmo, nos braços de Vera, interpretada por Drica Moraes. Ao atender a moça, a médica constata uma hipoglicemia e anemia. “Qual foi a última vez que você comeu?”, questiona. “Hoje de manhã”, responde a mulher, que é desmentida pelo filho “Ela não come nada faz um tempão,” conta a criança, que implora para que a mãe possa ficar um tempo no hospital.

Desempregada e sem a presença do pai na vida da criança, a mulher vende bala no farol para sobreviver, e os trocos que consegue são suficiente para alimentar apenas uma boca — a do filho. Com a fome cada vez mais presente no Brasil, a cena fictícia é recorrente nos hospitais públicos do país, o que torna ela ainda mais difícil de assistir. A série ainda coloca o dedo em outra ferida quando a criança pega um sanduíche escondido de um dos carrinhos do hospital e é perseguido por um policial. Alcançado pelo agente, o garotinho, que é negro e está praticamente desnutrido, leva uma chave de braço e apaga por falta de oxigênio, enquanto os médicos dizem que ele está sufocando a criança. A brutalidade remete ao assassinato de George Floyd, morto sufocado pelo joelho de um policial nos Estados Unidos e também a João Alberto Silveira Freitas, espancado até a morte por seguranças de um supermercado Carrefour, em Porto Alegre, ambos os casos ocorridos em 2020.
Agora em um hospital maior, localizado no centro do Rio de Janeiro, Sob Pressão promete mostrar que as agruras brasileiras não estão restritas às comunidades, muito menos à pandemia. Entre um drama e outro vivido pelos personagens, que além de médicos muitas vezes assumem o papel de assistentes sociais no cotidiano, indo muito além do dever clínico para ajudar os pacientes, a série retrata a realidade nua e crua de anônimos que estão espalhados por todo o país, integrando estatísticas de fome e violência, e que tem o SUS como única alternativa de sobrevivência.