Apaixonada pela paleontologia, Cora Seaborne passou a maior parte da vida limitada ao papel de mãe e esposa. Após a morte do marido abusivo, a viúva interpretada por Claire Danes (de Homeland) pega o filho pequeno e deixa a Londres do fim do século XIX para investigar os relatos de uma serpente mitológica em um vilarejo em Essex, no sul da Inglaterra. Sua investigação ganha novos contornos quando uma criança é encontrada morta sob circunstâncias misteriosas próximo das águas que se acredita assombradas pela besta-fera. Tomados pela histeria coletiva, os moradores se agarram a crenças religiosas para justificar a tragédia que assola a região, acusando a viúva de atrair a suposta criatura de volta à cidade com seus supostos pecados. Inspirada no best-seller homônimo da inglesa Sarah Perry (que está saindo no Brasil pela editora Intrínseca), a minissérie A Serpente de Essex, com seus dois primeiros episódios já disponíveis na Apple TV+, transpõe para a tela uma trama não só sobre monstros fantásticos, mas também sobre alguns bem reais: os medos e as paranoias que povoam (e envenenam) a mente humana.
Ambientada na era vitoriana, a história bebe da atmosfera ora sombria, ora de luminosa imaginação que legou ao mundo clássicos como Drácula e O Médico e o Monstro. Característico do período, esse misto de terror diante do inexplicável e fascínio pela ciência que então se consolidava foi retratado com brilho na série Penny Dreadful — e a A Serpente de Essex revela-se um pequeno presente para seus órfãos. Em paralelo ao mistério que cerca o monstro do lugarejo, a trama explora uma temática também cara ao imaginário vitoriano: os percalços quase sempre assustadores dos primórdios da medicina, por meio de dois jovens cirurgiões que desbravam novas e dolorosas técnicas — e cuja história em certo ponto se conecta ao desenrolar dos fatos em Essex.
Ao lado do vigário Will Ransome, vivido com sobriedade por Tom Hiddleston (o Loki da série da Marvel), Cora se vê presa em uma investigação na qual o ceticismo e a fé se contrapõem na tentativa de mostrar aos moradores que os eventos na cidade são plenamente explicáveis à luz da razão, e não algum tipo de punição divina. Não demora, porém, para que um sentimento proibido surja entre Cora e o religioso, alimentando ainda mais as teorias conspiratórias da população. Logo uma marca no pescoço da viúva e a atração que ela exerce sobre Will, um homem casado, são vistas como indícios de bruxaria. Para além do mistério, a série faz um alerta sobre os perigos da ignorância e do obscurantismo — pragas que, como se sabe, persistem muito além da era vitoriana.
Publicado em VEJA de 18 de maio de 2022, edição nº 2789
*A Editora Abril tem uma parceria com a Amazon, em que recebe uma porcentagem das vendas feitas por meio de seus sites. Isso não altera, de forma alguma, a avaliação realizada pela VEJA sobre os produtos ou serviços em questão, os quais os preços e estoque referem-se ao momento da publicação deste conteúdo.