Era manhã no Brasil quando o tricampeão Ayrton Senna (1960-1994) largou da pole position no GP de San Marino, em Ímola, na Itália. Naquele 1º de maio de 1994, caso vencesse a corrida, ele planejava homenagear o austríaco Roland Ratzenberger (1960-1994), que havia morrido após uma batida na classificação do dia anterior. Mas a bandeira da Áustria que carregava consigo nunca foi balançada: na sétima volta, a Williams de Senna passou reto pela curva Tamburello, lançando o carro sem controle contra o muro. O choque a mais de 200 quilômetros por hora foi fatal, fazendo de Ayrton a segunda vítima de um final de semana lembrado como o mais trágico da Fórmula 1.
Ayrton: o Herói Revelado – Ernesto Rodrigues
Três décadas depois, as histórias dos domingos vitoriosos de Ayrton Senna, assim como a do trágico acidente que ceifou sua vida aos 34 anos, continuam sendo relembradas para os velhos e novos fãs, das mais diferentes formas e nas mais diferentes plataformas. O mais novo produto do gênero é a minissérie Senna, que estreia no dia 29 de novembro na Netflix. Ficção baseada na história real, ela conta com Gabriel Leone na pele do piloto. “A F1 tem dezenas de ídolos, mas só um herói. Explicar como Senna se tornou essa figura, dentro e fora do Brasil, é nosso desafio”, disse o diretor Vicente Amorim durante uma visita de VEJA ao set de filmagem, em São Paulo.
Figura de adoração de nomes como o heptacampeão inglês Lewis Hamilton — que, no final de semana passado, pilotou em Interlagos a lendária McLaren com a qual o brasileiro foi bicampeão em 1990 —, Senna já teve a vida vertida em diversos documentários, mas é a primeira vez que ganha as telas em uma dramatização. “Foi o maior desafio e a maior honra da minha carreira”, conta Leone, que fez uma preparação intensa nos karts para interpretar o piloto — recentemente, o mesmo ator deu vida a outro automobilista, Alfonso de Portago (1928-1957), no filme Ferrari. O interesse em levar Senna para as telas, no entanto, é antigo, até mesmo em Hollywood: há mais de dez anos, um filme que teria Antonio Banderas como protagonista chegou a ser negociado, mas foi barrado pela família, que não teria controle sobre a produção.
Ayrton Senna: Uma Lenda a Toda Velocidade – Christopher Hilton
Agora, o cenário é diferente: a Netflix contou com o apoio oficial e, com a consultoria dos responsáveis pelo legado de Senna, a série deve correr dentro dos limites da pista, reforçando a imagem do herói nacional. Extremamente talentoso e competitivo, Senna é reverenciado como um dos maiorais da história da F1. Conquistou o tricampeonato da categoria e protagonizou rivalidades históricas, como aquela com o francês Alain Prost. A busca obstinada pela vitória e o gosto pelo perfeccionismo lhe renderam fãs no Brasil e no resto do mundo, mas também algumas antipatias. “Ele, assim como todos nós, tinha seus defeitos e contradições, mas vivia no limiar do que o esporte pedia”, reflete Amorim.
Estatueta Ayrton Senna Colecionável
A produção é a mais ambiciosa já feita pela Netflix brasileira e exigiu uma estrutura gigantesca, com atores de dezesseis países e cenas gravadas na Argentina, no Uruguai e na Irlanda do Norte, além do Brasil. No total, 22 réplicas dos carros de Senna e dos adversários foram construídas — mas a demanda era de mais de oitenta, fazendo a equipe apelar também para o digital. No figurino, foram 100 macacões e cerca de 17 000 pessoas envolvidas — fora uma equipe de efeitos visuais de cerca de 600 pessoas. “A tecnologia de produção virtual é algo que a gente já usa há algum tempo, mas não com essa complexidade”, explica Marcelo Siqueira, um dos chefes desse setor da produção. Exemplo disso, as cenas de corrida são uma conjunção de três camadas: parte delas foi gravada na pista, com pilotos de verdade. Depois, takes detalhados, como as trocas de marcha, pisadas no freio e giros do volante, foram filmados em estúdio.
Na visita de VEJA ao estúdio em São Paulo, Leone rodava uma prova em Mônaco, um dos palcos preferidos de Senna. Para a filmagem, uma réplica do chassi da McLaren foi posicionada sobre uma plataforma, criada pela equipe da série, que simula os movimentos da corrida. A parafernália era sincronizada com animações digitais em 3D da pista, feita em um programa comum na produção de jogos, o Unreal. Desenvolvida a partir de registros históricos, a reprodução digital bruta dos circuitos levou cerca de três meses para ser feita. As animações foram projetadas em telões de LED posicionados ao redor do carro, formando uma espécie de caixa imersiva. “A gente marca na plataforma um ponto em que quer um acidente, por exemplo. Na hora da ação, o cenário começa a rodar e, quando tem o choque, a plataforma reproduz o movimento”, explica Siqueira. O conhecimento desenvolvido poderá ser usado em projetos futuros, como, por exemplo, em filmes ambientados no mar, com barcos. Por ora, todo o esforço realizado até aqui já se justificaria pela importância do projeto Senna. De carona nessa produção caprichada, a minissérie tentará dar a bandeira de largada ao esforço de trazer de volta a sensação de alegria que contagiava fãs com as manobras e vitórias do campeão.
Publicado em VEJA de 8 de novembro de 2024, edição nº 2918