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Para além do futebol, série ‘Maradona’ critica os horrores da ditadura

Série sobre a vida do astro coloca esporte como cortina de fumaça para torturas e repressão durante regime militar no país

Por Amanda Capuano Atualizado em 4 nov 2021, 10h37 - Publicado em 4 nov 2021, 10h08

Ainda adolescente e jogando nas categorias de base do Argentinos Juniors, Diego Maradona ouve o estádio gritar seu nome sem sequer entrar em campo. Na volta para casa, pergunta ao pai: “Você acha que poderei jogar no Boca algum dia?”. “Todos os times vão te querer. Você pode jogar onde quiser, menos no River, ou te dou para a adoção”, brinca o pai. Segundos depois, o ônibus é parado por militares e, em tom de preocupação, ele alerta o filho: “Mantenha a boca fechada, não banque o esperto e não ouse dizer que somos peronistas”. O aviso é sucedido por um passageiro sendo lançado com violência no carro da polícia, enquanto Maradona, depois de questionar o ato, é obrigado a fazer embaixadinhas sob a mira de fuzis para provar que é apenas um jogador. A cena faz parte do primeiro episódio de Maradona: Conquista de um Sonho, série original do Amazon Prime Video que estreou na plataforma na sexta-feira, 29, com cinco episódios disponíveis, e mais cinco a serem liberados semanalmente. Mais do que retratar a vida esportiva do astro, a produção costura a carreira de Maradona a um capítulo sangrento da história da América do Sul: a ditadura militar argentina, que “sumiu” com mais de 30.000 opositores entre 1976 e 1983.

O tom político não é à toa: nascido em 1960 na periferia de Buenos Aires, Diego Armando Maradona cresceu em meio a um período turbulento do país, que passou por três golpes de estado (1962, 1966 e 1976) antes que ele completasse 16 anos de idade. Criado em uma família peronista, e abertamente alinhado à esquerda, o jogador teve a vida fora dos campos marcada por uma forte, e controversa, vocalização política, como a amizade de longa data com o cubano Fidel Castro, e apoio a figuras como Hugo Chávez, a família Kirchner e até o ex-presidente Lula. Os primeiros episódios da série, porém, mostram que o astro, mesmo de forma involuntária, também já serviu a outros propósitos: alçado ao posto de ídolo ainda durante a ditadura militar argentina, a série é repleta de cenas críticas ao regime, e mostra os feitos de Diego sendo usados como uma espécie de cortina de fumaça para abafar o clima de medo que imperava no país.

Exemplo disso é uma passagem de 1979 em que, estrela da conquista do mundial juvenil, Maradona leva a taça junto aos colegas de seleção para o ditador Videla, que aperta a mão do jogador e posa sorridente para foto. Enquanto isso, um protesto organizado por mães de desaparecidos — as famosas Mães da Praça de Maio — se desenrola em frente à Casa Rosada. “Parem de usar o futebol como ópio do povo enquanto matam milhares”, entoa uma delas, antes que a manifestação seja duramente repreendida. Lá dentro, um discurso sobre a vitória representar o valor da disciplina e autoridade é reproduzido, seguido de um agradecimento de Videla: “Obrigada por nos deixar tão bem diante do mundo”, diz a Maradona. No mesmo episódio, um centro de tortura é apresentado com uma série de presos políticos despidos com sacos na cabeça. Um casal é sumariamente ameaçado por militares, que debocham frente ao medo da mulher grávida, também forçada a tirar a roupa. Ao final do episódio, informações sobre número de mortos e as práticas cruéis do regime se misturam à vida e conquistas de Maradona, como duas frentes indissociáveis da mesma história.

Outro ponto também exposto pela série é a Guerra das Malvinas, travada entre a Argentina e a Inglaterra em 1982. Com Maradona em alta no Boca Juniors e sua estreia com a camisa da seleção em uma Copa do Mundo, o episódio alterna triunfos e derrotas dentro de campo a imagens tocantes de jovens argentinos sendo massacrados na guerra, enquanto os jornais — sob o comando do governo — noticiava uma suposta superioridade de seu exército no conflito. O episódio ainda é entrecortado por discursos políticos inflamados dos governantes e cenas de uma multidão azul e branca lotando os estádios, alheia ao caos que se desenrola no confronto. A derrota nas Malvinas, assim como a queda da Argentina na Copa do Mundo, são creditadas pela queda dos militares, que deixam o poder nos episódios seguintes — mas a depender da vida de Maradona, os capítulos que ainda estão por vir têm material de sobra para que política e futebol sigam se misturando.

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