Os enigmas que cercam Marilyn Monroe 60 anos após morte da estrela
Documentários revivem o fascínio inesgotável pela atriz — e buscam desvendar mistérios sobre sua origem e fim
Marilyn Monroe (1926-1962) tinha 7 anos quando achou nos pertences da mãe a foto de um homem desconhecido. No auge de sua carência infantil, a menina batizada como Norma Mortenson convenceu a si mesma de que o homem no retrato empoeirado era seu pai biológico, que nunca estivera presente em sua vida. Anos depois, ela se tornaria uma das atrizes mais famosas da história do cinema. Nem toda a fama e dinheiro da estrela, cuja morte completa sessenta anos no próximo mês de agosto, no entanto, aplacaram o mal-estar da ausência paterna. Durante toda a vida, Marilyn procurou por Charles Stanley Gifford, o homem que acreditava ser seu pai. Chegou a descobrir onde morava, e tentou encontrá-lo duas vezes, mas foi rejeitada em ambas. Ex-colega de trabalho de Gladys Pearl Baker, mãe de Marilyn, Gifford negaria até a morte ser o pai dela, fazendo da real paternidade um dos grandes enigmas da vida da atriz. Agora, seis décadas após sua morte, o documentário Marilyn, Her Final Secret (Marilyn, o Segredo Final), a ser lançado mundialmente em breve, quer provar que ela estava certa: Gifford seria, de fato, seu pai biológico.
Fragmentos: Poemas, anotações íntimas e cartas de Marilyn Monroe
O filme do documentarista francês François Pomès (leia entrevista) não é o único a se embrenhar na biografia fugidia da atriz no calor da efeméride. A partir desta quarta-feira 27, a Netflix disponibiliza a série documental O Mistério de Marilyn Monroe: Gravações Inéditas, que revisita sua vida e, especialmente, sua morte. Na versão oficial da história, Marilyn foi encontrada sem vida por uma empregada e por seu psiquiatra por volta das 3 da manhã do dia 5 de agosto de 1962, aos 36 anos. Estava nua em seu quarto, com o telefone na mão e um frasco vazio de remédios para dormir ao lado da cama. As investigações levaram à hipótese de suicídio, ou overdose acidental, mas as circunstâncias da morte nutriram uma série de teorias da conspiração, a mais famosa sustentando a tese de que Marilyn teria sido assassinada a mando dos irmãos Kennedy, com os quais teve casos amorosos.
Duas décadas após sua morte, o jornalista Anthony Summers fez um mergulho profundo nos momentos finais de Marilyn, entrevistando cerca de 1 000 pessoas. O resultado da investigação embasou um livro de sucesso nos anos 1980, mas só agora as gravações que deram origem à obra vieram a público, e são exibidas com exclusividade no documentário da Netflix. Com imagens raras da carreira de Marilyn e atores reproduzindo os áudios, a produção esmiúça as muitas contradições sobre seus últimos momentos, como uma visita de Bobby Kennedy no dia da morte e a informação de que ela teria sido encontrada ainda com vida, mas morrido na ambulância. “Não descobri nada que indique que foi assassinato”, reconhece Summers, porém, no documentário.
No caso da busca pela paternidade da atriz, o documentarista francês Pomès consegue ser mais conclusivo. Determinado a solucionar o que descreve como o “último mistério sobre Marilyn”, Pomès vasculhou o mundo em busca de traços de DNA que pudessem comprovar a paternidade de Gifford. Sem acesso aos restos mortais dela, buscou rastros em objetos como maquiagens e roupas, mas era impossível obter uma amostra confiável, já que as peças haviam passado por muitas mãos. Uma ideia mudou o rumo da história: “O cabelo de Marilyn Monroe não saía da minha mente. É difícil encontrar DNA nos fios, mas fomos atrás de amostras”, explicou Pomès a VEJA. Depois de quase jogar a toalha, o documentarista recebeu duas amostras de um colecionador de Nova York: uma retirada por um cabeleireiro em 1962, na noite em que a atriz cantou Parabéns a Você para o então presidente americano John F. Kennedy, e a segunda obtida pelo agente funerário que a embalsamou. Ambas foram analisadas por Ludovic Orlando, referência em arqueologia molecular, estudo dos genes a partir de materiais legados pelo passado. A primeira não deu em nada, mas a segunda continha 5% de material genético — um número baixo, mas viável para análise. Com o sequenciamento em mãos, Pomès identificou o DNA de Marilyn como “Garota do cabelo”, para não chamar atenção, e enviou a um laboratório, que o comparou aos genes fornecidos por uma neta e uma bisneta de Gifford. Bingo: “As amostras pertencem à mesma família com 100% de certeza, e com um intervalo de três gerações, exatamente a distância entre elas se Gifford fosse mesmo o pai de Marilyn”, revela.
O abandono pelo pai não foi, nem de longe, o único trauma de Marilyn. Com a mãe diagnosticada com esquizofrenia, a garota passou a infância entre abrigos e pais adotivos. Foi abusada sexualmente pela primeira vez antes dos 9 anos e, não raro, era agredida pelas famílias que a acolhiam. A juventude difícil não a impediu de se tornar o rosto mais célebre de Hollywood, eternizado não só nas telas, mas também em uma indefectível série de pinturas de Andy Warhol — uma das quais irá a leilão em maio, e pode se converter na obra de arte mais cara do século XX, alcançando o a cifra de 200 milhões de dólares. Para além de seu valor como ícone da pop art, a Marilyn de Warhol imortalizou o drama da atriz com a ironia de um artista que captou, antes de todos, o vazio da era das celebridades. Por trás daquele sorriso inebriante, havia uma estrela essencialmente triste.
“Ícones são imortais”
François Pomès, diretor do documentário Marilyn, Her Final Secret, falou a VEJA sobre a atriz
Por que uma investigação sobre o pai de Marilyn? Era o mistério que faltava esclarecer. Há muitas produções sobre a atriz, mas poucas trazem novas informações sobre sua busca pelo pai.
O que a ausência paterna representou para Marilyn? Ela buscou pelo pai a vida toda, e foi rejeitada. Acredito que a complexidade de Marilyn está diretamente ligada à ausência dele.
Como foi a reação da família de Charles Gifford com a confirmação de que ele era o pai da estrela? Eles tinham a ideia de que a paternidade era uma mentira para vender revistas, então se surpreenderam com a confirmação. Até choraram. Foi a solução de um mistério que vinha de 1925.
Por que Marilyn continua a despertar fascínio? Ela é um ícone, e ícones são imortais.
Publicado em VEJA de 4 de maio de 2022, edição nº 2787
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