No distante ano de 2003, Debbie (Reese Witherspoon) e Peter (Ashton Kutcher) se conhecem em uma festa na casa dela, em Los Angeles. Na flor da idade, os dois se rendem aos hormônios e têm uma noite regada a álcool, sexo e conversas sobre o futuro — Peter quer ser um escritor de sucesso, e combina de enviar a ela seus contos na manhã seguinte. Se Na Sua Casa ou na Minha seguisse os clichês das comédias românticas que dominaram o cinema entre as décadas de 1990 e 2000 e consolidaram Witherspoon e Kutcher como estrelas daquelas velhas narrativas adocicadas, os dois se apaixonariam à primeira vista e, após certos desencontros, viveriam felizes para sempre. Mas o filme que chega à Netflix nesta sexta-feira, 10, segue um caminho diferente. Os dois não se casam jovens: depois do primeiro encontro, passam vinte anos como melhores amigos, sem se permitir olhar um para o outro com qualquer interesse. A virada de chave acontece quando ela viaja a trabalho e deixa o colega cuidando de seu filho pré-adolescente — um elo improvável que levará, enfim, à união tardia da dupla.
Protagonizada por atores na casa dos 40 anos, a trama ilustra uma tendência recente: o advento de uma nova forma de comédia romântica, que tira o tradicional foco em jovens pombinhos para celebrar o amor na maturidade. É uma guinada notável. Gênero de imenso apelo entre as décadas de 1990 e 2000, esses filmes pintavam a chamada meia-idade como um bicho de sete cabeças: a mera ideia de chegar aos 30 sem uma cara-metade era um pesadelo. Agora, uma leva fresca de produções traz de volta os mesmos astros do passado, já grisalhos e com linhas de expressão, para atestar a verdade de um antigo clichê: não há idade para começar a amar.
Os “novos velhos” rostos das comédias românticas têm um recall nostálgico evidente. Lançado em setembro de 2022, Ingresso para o Paraíso traz Julia Roberts (55 anos) e George Clooney (61) como um ex-casal que tenta impedir a filha de cometer o erro dos pais — se casar. Protagonista de Uma Linda Mulher (1990), Roberts demorou mais de vinte anos para retornar aos romances que consolidaram sua carreira. O mesmo acontece com Jennifer Lopez, 53 anos. Na trama de Casamento Armado, disponível no Amazon Prime Video, Darcy é uma mulher bem-sucedida que cede aos desejos do amado de se casar, após fugir do altar por anos. Antes que a cerimônia aconteça, no entanto, assaltantes invadem a festa, despertando não apenas o medo da violência nos convidados, como também uma crise entre os noivos.
Com personagens mais velhos assim, os lugares-comuns da comédia romântica ressurgem temperados com o debate de questões características das paixões mais maduras, como a relação entre pais e filhos, a sexualidade na meia-idade e a resistência em doar-se aos sentimentos, típica de quem já é muito calejado pela vida.
A gente mira no amor e acerta na solidão
A nova cartilha não veio do nada: relegadas ao esquecimento nas últimas décadas, após perder lugar para a febre dos super-heróis, as produções românticas voltaram à boca do povo com o streaming, quando a Netflix apostou em fenômenos juvenis como A Barraca do Beijo. O sucesso ressuscitou as tramas açucaradas, mas era preciso conquistar um público mais amplo. O caminho a ser seguido foi indicado pelas estatísticas comportamentais: segundo o IBGE, por exemplo, os brasileiros estão se casando cada vez menos — e mais tarde. Enquanto o total de matrimônios no país caiu, cresceu o número de casais que se uniram após os 40 anos. Nos Estados Unidos, a situação se repete: entre 1998 e 2021, a média de idade do primeiro casamento subiu de 25 para 28,6 anos entre as mulheres, e de 26 para 30,6 no caso dos homens. Nada mais natural que as histórias se adaptassem à nova realidade: o imaginário sobre romance e casamento não é mais monopólio da juventude.
Tudo o que eu sei sobre o amor
Por isso, até mesmo quando a trama fala de novinhos apaixonados, os mais experientes acabam roubando espaço. Em cartaz nos cinemas a partir do dia 17, Casamento em Família traz a dupla Emma Roberts e Luke Bracey reunindo os pais para conversar sobre casamento. Mas quem dá show são os patriarcas — vividos por Richard Gere (73), Diane Keaton (77), William H. Macy (72) e Susan Sarandon (76). Ao se encontrarem, eles notam que, na verdade, a relação entre eles é um pouco mais complicada que a dos filhos. A idade pode trazer sabedoria — mas não torna a vida amorosa mais simples.
Publicado em VEJA de 15 de fevereiro de 2023, edição nº 2828
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