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O racismo velado no uso de frases velhas de Morgan Freeman e Gloria Maria

Crítica antiga do ator ao Mês da Consciência Negra ressurge na internet anualmente no dia 20 de novembro — e americano já mudou de opinião

Por Kelly Miyashiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 9 Maio 2024, 19h59 - Publicado em 20 nov 2023, 14h24

Anualmente, no Dia da Consciência Negra – celebrado neste 20 de novembro no Brasil –, posts com uma declaração marcante do ator Morgan Freeman viralizam nas redes sociais. Sendo um dos artistas mais famosos da indústria cinematográfica, graças a um currículo de filmes de sucesso, como Se7en – Os Sete Crimes Capitais (2007), Todo Poderoso (2003) e Antes de Partir (2007), Freeman, por ser negro, polemizou ao criticar a existência do Mês da Consciência Negra em uma entrevista a Mike Wallace para o programa de TV 60 Minutes, em 2005. “Ridículo” era a resposta de Freeman ao ser questionado sobre o mês em questão, celebrado em fevereiro nos Estados Unidos. “Você vai condensar a minha história em um mês? O que você faria com a sua? Qual é o ‘Mês da Consciência Branca’? Eu não preciso. Eu não quero um Mês da Consciência Negra. A história dos negros é a história da América”, dizia Freeman. “E como podemos acabar com o racismo sem ele [Mês da Consciência Negra]?”, indagou o entrevistador. “Parando de falar sobre isso. Vou parar de chamá-lo de branco. E vou pedir que pare de me chamar de negro. Eu conheço você como Mike Wallace. Você me conhece como Morgan Freeman. Você não vai dizer: ‘Eu conheço um cara branco chamado Mike Wallace’. Está ouvindo o que estou dizendo?”, frisou o ator.

O vídeo em questão ressurge periodicamente na internet quando um caso de racismo ganha grandes proporções ou em novembro, sendo usado aqui principalmente por pessoas não negras que querem provar que não existe racismo no mundo. Porém, a história tem uma atualização. Depois de alguns anos, Freeman declarou ter mudado de opinião e que não sustenta os mesmos pensamentos. O ator, inclusive, participou do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) após a morte de George Floyd, um homem negro assassinado por policiais brancos, em 2020. Freeman começou a compartilhar relatos de seguidores sobre experiências com o racismo. “Dedicarei minha plataforma para amplificar sua voz. Sendo um contador de histórias, acho importante defender cada uma das vozes únicas uns dos outros”, disse.

Outra frase usada para invalidar o racismo é uma específica de Gloria Maria em uma entrevista à Joyce Pascovitch, em 2020, em que ela rejeitava o politicamente correto. “Eu acho tudo isso um saco. Hoje tudo é racismo, preconceito e assédio. A equipe com que trabalho me chama de ‘neguinha’, de uma forma amorosa e carinhosa. Estou há mais de 40 anos na televisão, já fui paquerada, mas nunca me senti assediada moralmente”, declarara. Mesmo sendo a primeira jornalista negra da história a aparecer na TV e ter uma trajetória de resistência por si só, apenas uma frase da repórter e apresentadora bastou para ser usada como argumento de pessoas que renegam o preconceito intrínseco na sociedade.

Um estudo divulgado pela Rede de Observatórios na última semana mostra que uma pessoa negra foi morta por intervenção policial a cada 4 horas em 8 estados do país no ano passado. De 3.171 registros de morte que tinham a cor da vítima documentada analisados pelos pesquisadores do estudo Pele Alvo: A Bala Não Erra o Negro, pretos eram 2.770 pessoas, número que representa 87,35% do total. Outro levantamento da República em Dados é a distância salarial em um recorte de gênero e raça no Executivo Federal, no qual mulheres negras recebem 33% menos do que homens brancos. A remuneração líquida média mensal dos homens brancos atinge 8.774,20 reais, contra 5.815,50 reais das mulheres negras.

Em um mundo ideal, o recorte de raças poderia ser ignorado. Mas este é o Brasil. Simplificar um problema gigantesco e de séculos com frases fora de contexto de poucas personalidades negras é escolher colocar uma venda sob os olhos — mas a negação em nada muda a realidade.

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