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Críticas e análises sobre o universo da televisão e das plataformas de streaming

‘O Clube da Meia-Noite’: nova empreitada do filósofo do terror da Netflix

No hit atual da Netflix, o americano Mike Flanagan se confirma como um inovador capaz de extrair pílulas existenciais até de temores juvenis

Por Amanda Capuano Atualizado em 4 jun 2024, 11h43 - Publicado em 14 out 2022, 06h00

O pequeno Mike Flanagan era uma criança medrosa. Quando os amigos se reuniam em festas do pijama para assistir a filmes de terror, ele inventava uma desculpa esfarrapada para se livrar da sessão. Envergonhado da própria covardia, decidiu vencer o medo mergulhando nos livros de Christopher Pike e Stephen King. “Eu queria ser capaz de assistir ao que meus amigos viam. Aos poucos, percebi que o terror me fazia mais corajoso”, disse o diretor em entrevista a VEJA. A aversão pelo gênero converteu-se em fascínio e, mais tarde, em uma carreira de arrepiar: mente por trás de uma aclamada antologia sobre casas mal-assombradas, Flanagan foi abraçado pela Net­flix em 2018 e se estabeleceu como uma grife de sucesso — e, mais que isso, excelência — do horror atual. Seu trabalho mais recente, a juvenil O Clube da Meia-Noite, estreou na semana passada e já é uma das séries mais vistas da plataforma.

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Flanagan explora um veio criativo original: algo que se poderia chamar de “horror existencialista”, que bebe da filosofia e dos medos humanos para criar demônios mais reais que as meras assombrações fictícias. Com diálogos rebuscados e tramas de cozimento lento que fundem o terror puro a uma carga complexa de melodrama, o diretor escancara como, não raro, nossos maiores temores não são monstros desconhecidos, mas traumas corriqueiros da vida. “Trabalho com o que me assusta. Traumas, luto, vício, violência, tragédia e morte são coisas que me preocupam e geram identificação”, explica.

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Inspirada no livro homônimo de Christopher Pike, O Clube da Meia-­Noite é mais uma prova do apelo irresistível da receita. Na trama, um grupo de jovens com doenças terminais passa seus últimos dias num misterioso internato. Para se distrair enquanto lidam com a ideia do fim iminente, os adolescentes se reúnem todas as noites para contar histórias. Logo, tais narrativas se revelam alegorias de fantasmas que permeiam a mente de cada um deles, do medo de machucar aqueles que amam à impotência diante de um futuro sombrio. Mas essa exploração humanista dos sentimentos de quem se equilibra na corda bamba da vida é sacudida por sustos de verdade: o sobrenatural entra em cena por meio da negação da jovem Ilonka (Iman Benson), que se agarra a rituais e sacrifícios perigosos em busca da salvação improvável de um câncer.

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Mais dinâmica que a bucólica A Maldição da Residência Hill e menos gráfica do que a afiada alegoria religiosa Missa da Meia-Noite, a nova trama mostra que nem mesmo no terreno manjado do horror juvenil Flanagan abre mão de sua assinatura: os monólogos rebuscados que conduzem o espectador a uma viagem quase filosófica. Pupilo de Stephen King, de quem já adaptou obras como Jogo Perigoso e Doutor Sono, o cineasta de 44 anos comunga com o autor a visão de que o gênero, acima de qualquer coisa, é uma janela que revela a essência humana. Para isso, conta com um clubinho próprio de atores que sempre dão as caras em suas produções, como Samantha Sloyan, Henry Thomas e a esposa, Kate Siegel. “Ele tem o projeto inteiro na cabeça. Isso torna a produção muito mais precisa”, conta o produtor Trevor Macy, que trabalha com Flanagan há doze anos.

Nascido na (má) afamada Salem, o autor saiu da cidade ainda criança, mas a curiosidade pelos julgamentos de bruxaria que executaram dezenas de mulheres na terra natal no século XVII foi outro vetor de seu interesse pelo terror. Ao longo da carreira, fez trabalhos pontuais no cinema, mas foi no streaming que fincou raízes profundas. Ainda sem data de estreia, seu próximo projeto na Netflix, A Queda da Casa de Usher, levará para as telas os contos de Edgar Allan Poe (1809-1849). Será o encontro do mestre clássico com seu mais novo herdeiro.

Publicado em VEJA de 19 de outubro de 2022, edição nº 2811

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