O engenheiro da computação Alexey Pajitnov desenvolvia softwares na Academia de Ciências da hoje extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) nos anos 1980 — a derradeira década da Guerra Fria. Em seu tempo livre, o russo começou a criar um jogo de computador baseado em “pentaminós”, quebra-cabeças de cinco peças. Mas logo reinventou o formato tradicional: seu passatempo se valia de blocos de quadrados que rolavam pela tela e deveriam ser encaixados numa linha completa para se avançar na brincadeira. Junção de tetra (quatro, em grego) com tênis (esporte favorito de seu criador), o viciante Tetris nasceu atrás da cortina de ferro da Rússia e viraria alvo de uma disputa feroz entre companhias americanas, empresários europeus e burocratas comunistas. Passados quarenta anos, o projeto pessoal de Pajitnov é um dos jogos de computador mais lucrativos de todos os tempos: são 520 milhões de cópias vendidas globalmente, com receita estimada em 2,5 bilhões de dólares (12,5 bilhões de reais). A origem curiosa dessa mina de ouro é narrada em Tetris, filme já disponível na Apple TV+.
Na produção, a guerra pelo Tetris é vista pela perspectiva do holandês Henk Rogers (Taron Egerton), empreendedor ávido para desbancar concorrentes poderosos e convencer a União Soviética, então inimiga ideológica número 1 dos EUA, a ceder os direitos de licenciamento do jogo à japonesa Nintendo, que procurava uma bala de prata para vender seu console portátil, o Game Boy. Ambicioso e atrevido, Henk não hesitou em viajar à rígida URSS com um mero visto de turista para tratar do negócio, e sua determinação cresceu ao conhecer Pajitnov (Nikita Efremov) — que não podia faturar um tostão por sua criação devido às regras draconianas do regime comunista, que monopolizava a importação e exportação de hardware e software e proibia o comércio independente do governo.
A luta do holandês para que o russo faturasse com o Tetris converteu-se em amizade. “Eles eram duas almas gêmeas improváveis”, disse Taron Egerton em entrevista a VEJA. Não à toa, os reais Henk e Pajitnov são produtores-executivos da obra de ficção da Apple TV+. De modo conveniente, a série omite uma parte sombria desse sonho percursor do empreendedorismo digital: o codesenvolvedor do Tetris, Vladimir Pokhilko, assassinou a esposa e o filho a marteladas e depois tirou a própria vida em 1998, logo após ser escanteado pelo amigo Pajitnov na fundação da The Tetris Company — aberta com Henk. O crime ensejou a teoria conspiratória de que a máfia russa estaria envolvida na briga pelo jogo — ideia dissecada na minissérie documental The Tetris Murders, que estreia na HBO Max em 11 de abril, e para a qual os CEOs da empresa bilionária se recusaram a falar.
Filmado na Escócia durante a pandemia, Tetris explora bem as agruras do socialismo. Pajitnov não imaginava que, numa Moscou que ainda tateava na tecnologia, seu joguinho seria compartilhado à exaustão por meio de disquetes piratas, chamando a atenção internacional e deflagrando a batalha épica pela licença. “Não quisemos pintar o capitalismo como bom, e sim mostrar outros lados desses dois sistemas de governo num mundo tão polarizado”, explicou o diretor Jon S. Baird a VEJA. Embora romantize a história, Tetris não deixa dúvidas sobre qual foi o lado vencedor do jogo.
Publicado em VEJA de 5 de abril de 2023, edição nº 2835
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