Nas bolsas de apostas de quem deverá substituir Daniel Craig no posto de próximo James Bond, o britânico Idris Elba surfou por meses como nome imbatível. Ator carismático e excepcional, com o physique du rôle perfeito para o desejo dos produtores de apresentar o primeiro 007 negro, ele chegou a engatar negociações sobre o papel — por isso, surpreendeu ao anunciar recentemente que declinaria do convite. Além de dizer que preferia mergulhar em projetos pessoais, deixou patente a insatisfação em virar um emblema racial na franquia. “Somos obcecados por raça e isso pode atrapalhar as aspirações das pessoas. Parei de me descrever como um ator negro quando percebi que isso me colocava em uma caixa”, desabafou no mês passado, com irreparável lucidez.
Do meticuloso barão das drogas Russell “Stringer” Bell da série The Wire (2002-2004) ao Nelson Mandela da cinebiografia do líder sul-africano de 2013, Idris Elba possui bons papéis de sobra para esnobar James Bond. Ademais, já tem um justiceiro nem tão famoso, mas igualmente respeitável do ponto de vista criativo para chamar de seu: o detetive que dá nome a Luther, série da BBC que teve cinco temporadas de sucesso até 2019. Habilidoso mas de pavio curto, e sempre pronto a extrapolar os limites da ética policial para solucionar crimes, o personagem está de volta no explosivo longa-metragem Luther: o Cair da Noite — agora para demonstrar seu vigor em escala global na Netflix. “Me preocupei em garantir que uma nova audiência conhecesse ele de verdade, que pudessem enxergar um sujeito implacável, disposto a fazer o certo e o errado só pela necessidade de Justiça”, disse o astro a VEJA.
Idris Elba – So, Now What? The Biography
Acostumado a capturar serial killers perversos, como Lucien Burgess (Paul Rhys), adorador satânico que pintava paredes com o sangue das vítimas, Luther encontra na nova fase um inimigo singular em David (Andy Serkis), soturno líder de uma seita de hackers. Seu exército de bandidos cibernéticos explora o esgoto da internet: ao descobrir o lado podre de pessoas comuns, ele as chantageia e faz das vítimas marionetes na execução de crimes — para depois matá-las. O psicopata vivido por Serkis sabe que o investigador teve atitudes questionáveis e consegue conspirar para mandá-lo para a cadeia por seus abusos de autoridade. Provocado pelo rival, o detetive resolve voltar ao velho hábito incorrigível: vai às últimas consequências para atingir seus feitos, apelando inclusive à violência.
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Luther recorre sem pudor a esses métodos antiéticos para escapar do presídio de segurança máxima onde foi preso, com direito a sequências de luta coreografadas com agressividade extrema. Para satisfação dos fãs da série original, o filme também presta homenagem a antigos personagens, citando alguns dos vilões anteriormente capturados pelo anti-herói — e destacando Schenk (Dermot Crowley), ex-chefe da polícia de Londres que pausa sua aposentaria para reprisar seu papel de mentor de Luther.
Aos 50 anos, Idris Elba transita com desenvoltura entre as cenas dramáticas e sequências de ação que nocauteiam o espectador. No seriado da BBC ou no filme, chama atenção que o debate ético sobre seu personagem passe ao largo da questão racial: Luther é um tipo marcante (e torto) a despeito da origem. Filho de imigrantes de Serra Leoa, o ator sabe melhor do que ninguém: “Nossa pele não é mais que isso: só pele”.
Publicado em VEJA de 15 de março de 2023, edição nº 2832
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