Entre os funcionários da Amazon circula um código divertido para falar das estrelas da TV nacional na mira do gigante do streaming. Para não dar bandeira em meio a contratações tocadas em sigilo, o falecido ator Paulo Gustavo era chamado de “Miami”, e a recém-chegada Ingrid Guimarães virou “Nova York”. De uns tempos para cá, no entanto, só se falava em “Atlanta” nas conversas entre executivos da empresa. O codinome, de fato, equivale a um troféu: semanas atrás, após doze meses de negociações, Lázaro Ramos encerrou sua relação de dezoito anos com a Globo para assumir o posto de artista da Amazon. A mudança assinala uma fase de transformação na vida de Lázaro. A troca de empregador dá uma pausa a sua associação inevitável na tela da TV com a esposa, Taís Araujo — ao lado de quem protagonizou o sucesso Mister Brau. Mas há mais no pacote: o ator acaba de se converter em diretor. Nessa função, tem um longa programado para estrear nos cinemas, o contundente Medida Provisória, visão distópica dos problemas raciais no país. A primeira missão na Amazon, já em filmagem, é também atrás das câmeras: a comédia romântica musical Um Ano Inesquecível — Outono. “Comecei a dirigir sem querer, mas logo senti prazer e confiança nisso”, disse o ator a VEJA (leia a entrevista).
Sinto o que sinto: e a incrível história de Asta e Jaser
A guinada de Lázaro Ramos ilustra as tentações com que o streaming vem seduzindo rostos conhecidos da TV. Num momento em que a regra na Globo é não renovar contratos de longo prazo e reduzir gastos, a emissora se empenhou em segurar o ator (Taís, aliás, ficou lá: acaba de renovar com a casa por três anos). Mas falou mais alto um certo encanto do streaming: a possibilidade de ampliar seu horizonte criativo. O contrato de três anos com a Amazon lhe permitirá não só atuar, mas dirigir produções para o Prime Video, fazer projetos para a plataforma de música da empresa e até criar programas para a Alexa. “Agora, posso brincar com tudo isso”, resume. O streaming acena, ainda, com a exposição global: já está programada sua participação em uma série com um astro de Hollywood.
A primeira empreitada do ator no novo emprego é uma comédia amena, mas o elenco de jovens talentos negros de Outono deixa entrever outro fator de atração: a aposta da Amazon em programas que espelhem a diversidade. Para Lázaro, é uma oportunidade de avançar algumas casas na qualidade da inserção do negro no cinema e na TV. Ele defende que a inclusão racial no entretenimento deve superar a fase do “mi-mi-mi” e tornar-se mais efetiva — para além da luta política, afinal, está-se diante de um mercado promissor a explorar. Em 2017, o ator convenceu a Globo a enviá-lo a Los Angeles para ver de perto como funciona a indústria das produções sobre o tema. “Lá, visitei o set de This Is Us e passei um dia na Black Entertainment Television. Fui ao canal da Oprah Winfrey e falei com a chefe de criação dela”, diz. Unir entretenimento e afirmação virou seu mantra.
Prestes a completar 43 anos, Lázaro está mesmo na direção certa. Um exemplo disso é o seu primeiro longa como diretor. Lançado no Festival South by Southwest, nos Estados Unidos, e ainda sem data para estrear por aqui, Medida Provisória é uma explosiva distopia racial à brasileira. Baseado em uma peça teatral do começo dos anos 2010, o filme fala de um futuro muito parecido com o presente, no qual uma decisão do governo com o suposto intuito de “reparar” as injustiças da escravidão determina que todos os negros sejam despachados para a África de seus antepassados. Trata-se de um libelo explícito, com visão ácida da política e da polarização nas redes, mas que ganha nuances de sutileza e humor graças à direção arejada e às atuações marcantes. Nome quente do showbiz atual, o anglo-brasileiro Alfred Enoch é o advogado que encarna a resistência e sua paixão na trama é, bem, Taís Araujo. Mister Brau se separou dela na Globo, mas ninguém é de ferro.
Publicado em VEJA de 27 de outubro de 2021, edição nº 2761
*A Editora Abril tem uma parceria com a Amazon, em que recebe uma porcentagem das vendas feitas por meio de seus sites. Isso não altera, de forma alguma, a avaliação realizada pela VEJA sobre os produtos ou serviços em questão, os quais os preços e estoque referem-se ao momento da publicação deste conteúdo.