Maior tenista homem da história do Brasil, Gustavo Kuerten, o Guga, venceu três Roland Garros (1997, 2000 e 2001) — a primeira, quando tinha apenas 20 anos. Hoje, aos 47, o catarinense revisita a carreira e os dramas pessoais na série documental Guga por Kuerten, que chega ao Disney+ nesta terça-feira, 10. Em cinco capítulos que passam rápidos demasiadamente, o ex-tenista relembra as jornadas até os títulos, as derrotas dolorosas, os maiores rivais nas quadras, além das mortes do pai, vítima de um ataque cardíaco quando ele ainda era criança, e do irmão Guilherme, nascido com paralisia cerebral, em 2007. Com depoimentos de familiares, incluindo a mãe de Guga, Alice, e o outro irmão, Rafael, e de astros do tênis, como Rafael Nadal, a produção relembra com primor e delicadeza a história de um dos maiores ídolos nacionais do esporte. Em entrevista a VEJA, Guga ressalta da importância da família em sua trajetória. Confira:
Qual foi o primeiro pensamento que passou pela sua cabeça quando recebeu a proposta de revisitar a sua carreira nesse documentário? Queria sair correndo, mas, brincadeiras à parte, foi um processo natural de convencimento, porque foi muito similar à biografia que havia feito [Guga, Um Brasileiro, lançado pela Sextante em 2014]. Achei que não precisava, já tava maravilhoso só aquilo, mas quando bota a mão na massa é fascinante e gostoso também, poder se envolver, relembrar as histórias marcantes ao ponto de me fazer voltar no tempo. O audiovisual tem essa capacidade, de trazer a sensação de estar em quadra, vencer Roland Garros em 2001, por exemplo, em me vi ali, 25 anos atrás, com aquela emoção e aquelas lágrimas. Poder lembrar do meu pai e tudo mais. E acho que dá muito orgulho da nossa história também. Importante colocar no coletivo, porque é difícil falar de si próprio.
Foi diferente fazer o resgate da sua história como tenista dessa vez? Sim, foi. E acho que mais do que isso, é importante incentivar as pessoas a conhecerem uma história que talvez não conheçam, porque a história é generosa, dura, verdadeira e inconsequente. E ela mostra que vale a pena acreditar com toda força, abraçar o sonho, ter fé. E todo esse esforço se desdobra nas convicções que trazem o resultado, a recompensa, é isso que eu vejo que acopla à vida das pessoas no dia a dia. Porque nunca foi intenção ser alguém diferente, e sim fazer algo diferente, atingir o impossível através da simplicidade. Uma coisa que me marcou muito foi uma que o Larri Passos, meu treinador, me ensinou: ‘Acreditar no impossível’.
No primeiro episódio, você relembra a morte do seu pai, quando você tinha só oito anos. Como foi revistar essa memória dolorosa? Assombrosamente dá para dizer que a minha carreira se iniciou assim, né? Eu imaginava meu pai como um sonhador. Um dia encontrei um amigo dele, que me disse: ‘Não, ele era um visionário’. Então, ele não estava só imaginando que eu seria um jogador de tênis, ele já estava realizando a nossa façanha. E, de uma hora para outra, veio a maior das perdas. Assim como a vitória de Roland Garros em 1997 foi a morte dele: improvável. Ele foi viajar com a gente para um campeonato, plenamente saudável, e de repente foi como se ele tivesse desaparecido. Esse é o primeiro capítulo da nossa vida no tênis, não é só do documentário. Foi assim que surgiu tudo, e ficamos pensando no que fazer, mas minha mãe solucionou a nossa vida. Minha mãe deu continuidade, e depois o Larri reconstruiu e costurou minha trajetória no tênis. É nessas horas que a gente vê que a chance de ter parado de jogar era de 99% E sobrou esse umzinho que precisava acontecer e nos transformou em um cara ainda mais destemido, preparado e fortalecido para competir. Essa bagagem me ajudou muito, mas nossa vida no tênis, infelizmente começou de uma maneira traumática.
Sua estrutura familiar sempre foi muito importante para a sua carreira. Hoje, olhando para trás após tantos anos, enxerga suas relações de uma forma diferente? Consigo ver com mais profundidade com certeza. Acredito que a idade também dá essa sapiência para evoluir e ser ainda mais generoso e complacente com as pessoas que estão ao nosso redor, poder valorizar e vasculhar de uma forma mais profunda tudo que aconteceu é formidável, é lindo de apreciar e ver todos esses esforços da minha mãe. Ela pegou três filhos e disse: ‘Vambora!’. A gente tinha ausência da figura do pai, mas não sentia impacto na nossa vida pela pela morte dele — a tristeza sim, até o inconformismo e às vezes até pensava que era mentira, que ele ia voltar.
Sua mãe, Alice, sempre foi um alicerce nisso tudo, certo? Minha mãe conseguiu nos atender de uma forma sublime, plena, e que a gente tinha a melhor vida possível dentro daquela realidade e isso é uma marca que ela transbordava. E para mim, um aspecto muito importante foi a convivência com o Gui, nosso irmão já falecido, que nasceu com paralisia cerebral e uma série de deficiências, foi uma coisa que me ajudou muito a tirar toda a vestimenta de ídolo, número 1 do mundo, tenista, e ser o Guga humano, garoto. Porque é confuso ter 20 anos e conquistar Roland Garros em duas semanas, não estava na minha perspectiva.
O documentário também relembra a história do Guilherme, que morreu em 2007. Qual a lembrança mais forte que tem dele? O sorriso dele. Muitas pessoas dizem que eu tenho o sorriso dele. Esse sorriso de que vai dar certo, que é afetuoso, carinhoso, tem um toque de diversão adequado. E, às vezes até, a própria limitação para entender que os erros, percalços e desafios fazem parte, e que a gente precisa sorrir até nesses momentos difíceis – e o Gui era campeão nisso, era um mestre de ensinar.
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