A sequência inicial da série Fallout é de cair o queixo. Em uma festa infantil, a mãe do aniversariante se recusa a deixar a TV ligada para evitar notícias ruins: no caso, nada menos que o perigo de um ataque nuclear. Cooper (Walton Goggins), ator com pinta de caubói que virou animador de festa, tira foto com as crianças e, em um momento de tensão, se recusa quando o pai da família pede uma imagem com ele fazendo um “joinha” com a mão. Em seguida, o homem cochicha com outro: “comunista”. Para não estragar a surpresa dos que ainda não assistiram à cena, o que vem a seguir é impressionante e assustador – tanto que os detalhes citados acima são importantíssimos, mas acabam passando despercebidos na série pós-apocalíptica que virou hit de audiência no Prime Video, da Amazon.
Em uma mistura fina de humor, ação, violência e drama, o programa baseado em um game de mesmo nome possui um sagaz fundo político e socioeconômico. A começar pela ambientação confusa do passado. Com um cenário retrô futurista, o mundo apresentado inicialmente parece transitar pelos anos 1950, não fossem os robôs super high-techs que vez e outra surgem em cena. A década em questão foi um período controverso da história americana, quando o Macarthismo se impôs caçando supostos comunistas pela população, uma prática que afetou duramente Hollywood, com roteiristas, atores e cineastas demitidos e perseguidos. Na época, crescia a animosidade da Guerra Fria e da paranoia sobre um possível embate nuclear.
Ao misturar estéticas do passado e do futuro, a série transforma o contexto político dos anos 1950 em algo atemporal, que pode se encaixar em qualquer período da civilização — inclusive hoje, ou um futuro próximo. Ao longo dos episódios, surgem alfinetadas políticas para todos os lados: da ligação perigosa do poder político-militar e da religião; da divisão de classes que rebaixa seres humanos como inferiores; passando pelas bolhas de esquerda que, em longas assembleias, não chegam a lugar algum e usam clichês para lidar com problemas de respostas difíceis. Mas a principal crítica reside no fato de que todos esses estratos sociais são passivos diante do avanço do capitalismo selvagem, que faz do fim do mundo um produto a ser vendido.
Não é difícil fazer associações com a vida real e os dias de hoje. Guerras, países que se recusam a abolir o uso de combustíveis fósseis e líderes que negam a crise climática são demonstrativos que, enquanto alguns sofrem, outros lucram — uma realidade satirizada de forma ácida no sexto e assustador episódio de Fallout. Por fim, a ironia que não quer calar: a série é uma produção da Amazon, um exemplo primoroso dos excessos do consumismo. Como dizem: faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço.
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