Fabio Turci fala sobre demissão da Globo e futuro: ‘Não esperava’
Em entrevista a VEJA, âncora eventual do 'Jornal da Globo' fala sobre saída da emissora após 23 anos em meio a cortes em massa
Um dos rostos mais conhecidos do jornalismo da Globo São Paulo, Fabio Turci deixou a emissora no começo de abril em meio a uma onda de demissões em massa da empresa, que visa cortar gastos desligando funcionários mais antigos da casa. Natural de Pindamonhangaba, no interior de São Paulo, o jornalista se formou na Unesp Bauru e trabalhou na Globo por 23 anos — contando tempo em afiliadas do interior paulista e correspondência internacional. Aos 48 anos, Turci vinha criando uma marca de pautar temas relevantes e diversos, como a defesa de direitos dos LGBTQIA+, além de fazer discursos potentes contra o racismo ao vivo. Em entrevista a VEJA, o profissional fala sobre sua saída da emissora, a perspectiva de recomeço e se arrisca em opinar sobre o futuro do jornalismo.
Confira a entrevista na íntegra:
Como foi o seu processo de saída da Globo? A gente vem acompanhando que a emissora nos últimos anos vem se reestruturando, buscando formas de reduzir os custos, e isso implica demitir pessoal de várias áreas, não só no jornalismo. Os funcionários estão acompanhando esse movimento e sabendo que essas ondas de demissões estão acontecendo. A gente nunca sabe exatamente em que momento elas vão acontecer e qual a magnitude de cada onda. Ao mesmo tempo que eu esperava que a minha hora chegaria, eu não esperava que a minha hora seria agora. Eu confesso que achava que teria um pouco mais de tempo ainda. Apesar de ser um movimento já conhecido e que a gente de certa forma já se prepara para o momento em que o facão vai nos atingir, a gente nunca sabe exatamente quando seria. Então foi um misto de expectativa com surpresa. A surpresa pelo timing. Cheguei para trabalhar no dia 5 de abril, uma quarta-feira. E imediatamente já fui chamado para uma reunião, uma reunião respeitosa, em que foi anunciada a minha demissão, basicamente foi isso.
Quem estava na reunião? Foi uma reunião com o próprio Ali Kamel (diretor-geral de jornalismo da Globo), com o Ricardo Villela (diretor-executivo de jornalismo) e Ana Escalada (diretora de jornalismo de São Paulo).
Por que sentia que agora não seria sua hora? Eu não achava que esse seria o meu momento, achava que eu teria um pouco mais de sobrevida lá dentro ainda, mas isso foi uma expectativa minha. A gente pensa uma coisa, e a empresa está colocando no papel outras coisas. Então era uma expectativa minha, mas eu posso dizer que tinha uma expectativa talvez desinformada, por não ter na mesa os elementos que a empresa está usando para tomar suas decisões.
Quais seriam esses elementos? Sinceramente, não sei. Nós sabemos que a questão salarial é fundamental, agora, se tem algo além disso, a gente não sabe quais são os critérios.
Como está sendo esse novo momento da sua vida? Já recebeu propostas? Já tive conversas e já fui procurado para mais conversas. Não há nada evoluído ainda. Acho que agora é um momento de redescoberta para mim. Eu entrei na Globo 23 anos atrás, na afiliada de Bauru, no interior de São Paulo. Depois fui para São José dos Campos, vim para São Paulo, depois virei correspondente em Nova York e voltei para São Paulo. O mundo da comunicação, hoje, é muito diferente do mundo de 23 anos atrás, né? Quando eu entrei na TV no ano 2000 tinha um computador com internet para a redação inteira e a gente se revezava para usar. Os sites de notícias estavam começando a aparecer. Não era um mercado grande, amplo e com muitas oportunidades como hoje, que tem as redes sociais. Eu abri as minhas redes sociais há poucos anos, sempre usei pouco e agora acho que quero usá-las de forma mais profissional. Estou entendendo melhor as oportunidades, quero estudar a ideia de ter um podcast, mas de qualquer forma quero continuar esse trabalho de alguns anos sobre direitos humanos, falar da luta antirracismo, anti-homofobia, que eram pautas que eu vinha fazendo no jornalismo da Globo. Mas estou aberto, não sei se vou para outra empresa de comunicação ou alguma do terceiro setor. Vamos ver.
Aliás, você mesmo se define como homem, branco, hétero, cis, e defende várias pautas diversas. Como nasceu essa vontade de militar em prol dessas causas, como direitos dos LGBTQIA+, negros, das mulheres etc.? Curiosamente começou quando eu estava morando nos Estados Unidos, em um processo em que eu abri meus olhos para tanta informação, convivendo com pessoas tão diferentes de mim. Acredito que isso aconteceu porque eu estive no lugar de minoria pela primeira vez ali, como um imigrante. Quando eu voltei para o Brasil em janeiro de 2019, estava disposto a praticar mais o papel social que o jornalismo tem, queria usar o meu trabalho para abrir os olhos de outras pessoas e tentar melhorar o mundo. E é importante ressaltar que eu parto da vontade de conscientizar meus semelhantes, sem roubar o lugar dessas minorias que sofrem de fato preconceitos e discriminações.
Durante essas décadas trabalhando com telejornalismo, teve estafa em algum momento? A gente viveu nos últimos anos um período de crescente hostilidade aos jornalistas nas ruas então a gente trabalhava sob mais pressão. O pior momento já passou, mas foi um período muito desgastante, tendo que ter cuidado redobrado em relação ao que está acontecendo em volta, principalmente com a possibilidade de agressão. Por causa dessas questões, foi muito desgastante.
Sente diferença no tratamento com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva? Quando foi decretado o resultado da eleição, eu fui para a Avenida Paulista cobrir o discurso dele. Fazia muito tempo que eu não me via no meio de uma multidão daquele tamanho e com tanta segurança, porque nos últimos anos estar no meio de uma multidão significava um risco em potencial dos dois lados ideológicos, inclusive, mas ali naquele momento eu me senti muito seguro. Eu só recebi manifestações de carinho e acolhimento. Nunca tirei tanta foto com pessoas na minha vida.
Como enxerga o futuro do jornalismo em tempos de ChatGPT? Vejo com muita preocupação e se eu dissesse que eu sei para onde vamos eu estaria mentindo, mas acho que o jornalismo é um trabalho essencialmente humano, principalmente sobre ouvir e contar histórias sob uma perspectiva humana. Imagina uma máquina fazendo jornalismo, tentando contar a história de uma travesti de forma humanizada? Acho inconcebível.