‘Desejo Sombrio’: O DNA das novelas mexicanas na série pop da Netflix
Produção com a ex-RBD Maite Perroni despontou entre as mais populares do canal com um misto de mistério, sexo e o típico melodrama dos folhetins latinos

Durante uma aula sobre violência de gênero na universidade, a professora Alma Solares (Maite Perroni, conhecida pela série teen RBD) é surpreendida pelo aparecimento de um novo aluno. Jovem e simpático, Darío Guerra (Alejandro Speitzer) seria apenas mais um estudante, não fosse o fato de que protagonizou cenas picantes de sexo com a professora na noite anterior. Confrontada com a presença da aventura amorosa, ela deixa uma mensagem para a melhor amiga: “Você não acredita quem apareceu no meu seminário hoje. Lembra do cara da festa? Me liga”. Mas a mensagem não chega ao destinatário. Em seguida, o celular surge lacrado em meio a evidências biológicas de um possível crime e, pouco depois, Alma é avisada de que a amiga foi encontra morta na banheira de casa.
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A cena descrita é do segunda episódio de Desejo Sombrio, série mexicana de Leticia López Margalli que encabeçou a lista de mais populares da Netflix. A partir da morte de Brenda (María Fernanda Yepes), a produção embrenha-se por uma trama que une mistério — e muito sexo — a assassinatos, traição e vingança, embalado pelo melhor clima de novelão mexicano. E aqui, não há demérito algum na comparação. As telenovelas mexicanas, assim como no Brasil, são tradicionais da cultura do país latino. Em Desejo Sombrio, o México mostra que seu DNA melodramático também não escapa às séries, até a mais moderninha.

Esteban Solares (Erik Hayser), cunhado de Alma e investigador de polícia, descobre a mensagem no celular de Brenda, e encontra sêmen na cena da morte. Ele confronta a cunhada sobre o “cara da festa”, acreditando ser algum caso da vítima. A conclusão precipitada se dá pela fama da defunta: enquanto Brenda, divorciada, era conhecida pelas “escapadinhas”, Alma ostenta a imagem de mulher modelo. A lealdade a amiga e o medo da investigação falam mais alto e ela confessa ao cunhado que traiu o marido com Darío na casa de Brenda. Para proteger a honra da família, o investigador encerra o caso como suicídio. A investigação, no entanto, segue na surdina, enquanto Darío torna-se cada vez mais obcecado por Alma.
Com a relação de pano de fundo, a série acerta ao usar a profissão da protagonista — uma professora de violência de gênero do curso de direito — como um interessante fio condutor. Não faltam explicações sobre feminicídio, aliciamento digital e até violências mais sutis, como a ideia amplamente difundida de que o amor verdadeiro vêm sempre atrelado à dor e é um sentimento pelo qual vale a pena morrer. Ao mesmo tempo em que soam didáticas, as aulas parecem estrategicamente pensadas para encaixar-se na trama, dando ao espectador instrumentos para que não caiam na tentação de romantizar situações problemáticas entre os personagens.

Não à toa, Maite Perroni, veterana em telenovelas, brilha como a protagonista, transitando com facilidade entre o típico drama mexicano e as camadas mais profundas da personagem — que alterna entra a mãe e esposa irretocável de um dos juízes mais famosos do país, a acadêmica assídua defensora dos direitos femininos e a mulher “fatal” das cenas picantes em que deixa-se guiar por desejos perigosos. Nas facetas de Alma, Maite arrancou elogios e convenceu a revista Forbes de que o papel pode ser um passaporte para Hollywood.

Nem tudo, porém, são flores. Instigante, a série oferece diversas reviravoltas que prendem o espectador, mas seus 18 episódios se arrastam pela primeira metade, até, enfim, explodir na segunda parte. Tudo acontece: segredos do passado são revelados, conflitos familiares emergem na superfície e todas as certezas são questionada. Nisso, aliás, reside a grande diferença entre a série e as tradicionais telenovelas. Apesar dos elementos comuns, a manjada dualidade entre heróis e vilões não tem espaço aqui. Não há mocinhos perfeitos ou carrascos estereotipados, apenas personagens falhos lidando com as consequências dos próprios erros, embora alguns sejam mais graves do que outros. Por fim, um ponto positivo para os dramas mexicanos — e que drama.
Confira o trailer: