Como ‘BBB22’ quebrou monopólio da narrativa oficial da Globo
Com pay-per-view liberado no Globoplay e barulho das torcidas organizadas no Twitter, emissora perdeu o controle do jogo nas redes sociais

Quando o BBB estreou na Globo, em 2002, as votações eram feitas por telefone, a internet era discada e o Twitter, lançado em 2006, nem pensava em existir. Vinte anos depois, a rede social é indispensável para o sucesso do programa, com fã-clubes se digladiando para defender seus favoritos. Com uma torcida empenhada e perfis dedicados a comentar a atração em tempo real, o Twitter é tomado todos os dias por vídeos do pay-per-view e pelas chamadas “threads da madrugada”, que expõem aos usuários o que aconteceu na casa enquanto o público dormia. Esse maquinário todo criou um fenômeno interessante: há quem “assista” ao programa somente pelo Twitter – que, não raro, pinta uma história bem diferente daquela que é exibida na edição da Globo. A emissora dos Marinho vem perdendo, assim, o monopólio sobre a narrativa do jogo.
O último exemplo desse embate de versões é o caso de Arthur Aguiar e Natália Deodato, ambos emparedados nessa semana. Na edição televisiva, Arthur ganha destaque, aparecendo sempre como perseguido e excluído pelos participantes – algo como a saga de Juliette, vencedora da edição de 2021. Enquanto isso, na internet, Arthur é relativamente querido e é exposto como alvo fixo de fato de Jade Picon e companhia, mas o ator não e unanimidade como faz parecer a edição. Isso porque, outra discussão crescente entre os vigias do BBB no Twitter dá conta de que Natália, que esteve em três dos quatro paredões até agora, é a verdadeira perseguida da casa (inclusive pelo próprio Arthur), e não ganharia metade do tempo de tela dele na edição. Um vídeo que circula na rede, e que foi compartilhado pelo perfil oficial de Natália, mostra o ator engrossando o caldo de que ela “passa do ponto” nas festas, enquanto justifica as ações de Eslovênia, que chegou a quebrar uma câmera enquanto estava bêbada.
Não foi do nada, no entanto, que essa “guerra de narrativas” se estabeleceu – ela é resultado de uma estratégia da própria Globo. Em 2020, quando os primeiros “camarotes” chegaram à casa, a emissora liberou o pay-per-view da atração para todos os assinantes do Globoplay, na tentativa de impulsionar seu serviço de streaming. Com isso, qualquer um com o pacote básico do streaming (19,90 na versão anual e 22,90 na mensal) tem acesso a todas as câmeras do programa na hora em que quiser. A título de comparação, quando o BBB 1 estreou, o pay-per-view era feito pela TV fechada e custava 45 reais, o equivalente a 26,6% do salário mínimo da época, que era de 180 reais. A emissora ainda limitava o que era transmitido para não estragar as surpresas da edição, e quem quisesse ver vídeos do programa na internet teria um trabalhão – ao contrário de hoje em dia, quando basta abrir o Twitter para ver tudinho e ainda dispor de uma penca de narrativas alternativas.
É claro que, com torcidas muito bem estabelecidas e perfis oficiais querendo vender o seu peixe, as narrativas das redes sociais na verdade não são isentas de interesses – alguns usuários, inclusive, acusam participantes de comprar perfis no Instagram e Twitter para dar destaque a eles e impedir eventuais cancelamentos. Na edição de 2020, por exemplo, os torcedores do grupinho das “fadas sensatas”, costumava compartilhar vídeos de Babu entoando falas vistas como machistas para justificar a imagem de excluído passada pela edição. Os defensores de Babu e Prior, por outro lado, faziam compilados das adversárias votando em Babu em toda oportunidade, sem muita justificativa, e apontavam atitudes vistas como racistas. No final do dia, há ainda uma terceira narrativa: aquela de quem passa o tempo inteiro em frente ao Globoplay acompanhando as câmeras. Esse canal, em última instância, dá ao usuário a chance de criar sua própria visão de jogo – mas haja tempo de sobra e disposição para aguentar.