No ar como o vilão Egídio de Renascer, novela das 9 da Globo, Vladimir Brichta também brilha ao interpretar outro carrasco em Pedaço de Mim, série da Netflix que tem ares de folhetim no streaming. Enquanto no remake escrito por Bruno Luperi na TV aberta o ator vive um coronel inescrupuloso, na trama protagonizada por Juliana Paes como Liana, Brichta vive Tomás, um homem muito pior: um advogado que trai a esposa, fica revoltado ao descobrir que ela está grávida de gêmeos e um dos bebês é filho de outro homem devido a uma condição raríssima chamada superfecundação heteropaternal, e se desenvolve para uma figura quase desumana. A diferença entre os dois personagens é o texto, e o intérprete dá o seu melhor com o de Ângela Chaves.
Por mais que as falas de Egídio tentem amedrontar, o personagem pouco cativou o público com suas vilanias — culpa do carisma de Brichta, que transfere à tela mais bom-humor do que maldade, talvez. Desde matar Venâncio (Rodrigo Simas) à forma cruel com que lida com a morte da próprio neta, filha de Sandra (Giullia Buscacio) e João Pedro (Juan Paiva), o fazendeiro ambicioso não faz o tipo detestável ao extremo que um vilão de novela das 9 exige — e isso tem sido o grande problema dos últimos folhetins da faixa: os antagonistas sem sal.
Em contrapartida, o personagem de Brichta em Pedaço de Mim, Tomás, é o tipo da pior espécie. Machista, egoísta, misógino, hipócrita, insensível, etc. Além de trair Liana, o advogado usa como justificativa para o caso extraconjugal o desejo obsessivo da esposa em ter um filho com ele — o que tornou o sexo mecânico e desestimulante. Após sofrer um acidente, ele pede perdão, pois ama a mulher, até descobrir que ela está grávida de gêmeos, mas um deles é filho biológico de Oscar (Felipe Abib), que estuprou Liana.
Lá pelo quinto episódio, Tomás aceita criar as duas crianças como se ambas fossem dele por imposição de Liana, mas faz diferença entre as crianças e não consegue superar sua aversão ao herdeiro de Oscar, e com o tempo também ignora a violência sexual sofrida pela esposa e a tacha de vulgar, dizendo que ela tinha o rival como amante. Após matar Oscar, então, Tomás escala para uma persona mais vil ao abraçar o arquétipo de um fanático religioso que se autointitula “o escolhido”, bastião da verdade, entre outros clichês regados à hipocrisia. “A série mostra como a Liana tem que lutar o tempo inteiro. Ela tem que lutar para ser ouvida, que lutar para acreditarem nela, lutar pelos desejos dela serem respeitados, eu acho que isso diz muito sobre a nossa sociedade”, avaliou Vladimir Brichta em entrevista a VEJA.
“É muito fácil a gente como espectador se colocar no lugar de todos os personagens. Pensando no Tomás, em um primeiro momento, tudo é muito difícil para ele também. Claro, a Liana é a vítima que sofreu a violência, mas todos a sua volta são afetados. Mas o Tomás é egoísta, não consegue se colocar no lugar do outro, especialmente no lugar daquela pessoa que ele diz amar. Ela precisa ser acolhida, e ele não tem essa capacidade de acolhê-la, de dar uma palavra de carinho. Ele não consegue pensar que ele viveu uma relação extraconjugal, e ela, depois de separada, tenta ter uma relação — que nem dá certo, ela é vítima de um abuso sexual –, e o Tomás não enxerga isso. É difícil e fácil entender esse sentimento, mas não dá para concordar com o que ele faz”, completa o ator.
Com o texto de Ângela Chaves e a direção de Maurício Farias, a construção de Tomás fez dele um dos vilões mais odiáveis da dramaturgia atual — motivo da revolta de todos os assinantes que já maratonaram a produção que não saiu do top1 de produções mais vistas da Netflix no Brasil desde sua estreia. Muito porque ele não é humanizado — nenhum vilão precisa ser, aliás –, e a forma como sua crueldade cresce ao longo dos 17 episódios de Pedaço de Mim mostram como um bom roteiro e o talento de um grande ator como Brichta podem criar algo memorável.
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