A cena é o pesadelo que qualquer mãe abominaria: dentro do carro, parada num congestionamento, a sueca Caroline Edh (Noomi Rapace) vê sua conversa com a filha pequena ser interrompida abruptamente por pessoas correndo em fuga de um tiroteio. Mascarados chegam, arrebentam o vidro do automóvel e separam Edh da criança à força. Corta para algum tempo depois: a protagonista do filme Caranguejo Negro agora é combatente involuntária em um dos lados da hipotética guerra civil que dilacera uma Suécia atingida pelo caos climático. Junto com outros homens, Edh ganha a missão periclitante cujo nome dá título ao longa: atravessar o mar congelado de patins, muitas vezes arrastando-se como o crustáceo, para levar a outra cidade objetos que contêm uma arma capaz de definir a vitória de seu lado no conflito. A isca para conduzi-la até lá sem pestanejar é a promessa de que irá rever a filha perdida.
Com essa equação que promete drama, ação e heroísmo, Caranguejo Negro vem se mantendo por dias a fio no topo do ranking de programas mais assistidos da Netflix. Seu final entrega menos respostas do que deveria – mas até ali o espectador já ficou mais de uma hora diante da tela com certa dose de satisfação garantida. Afinal, as armas do diretor Adam Berg são eficazes. Em matéria de timing, o homem deu uma sorte danada: o mundo cinzento e pós-apocalítico de cidades destruídas pela insensatez da guerra ganha urgência e atualidade no momento em que as imagens do conflito na Ucrânia são exibidas sem parar no noticiário. Colocar o foco de tensão nos patinadores do gelo é uma sacada bárbara: a fotografia dos combatentes deslocando-se sob a escura noite nórdica oferece um balé cinematográfico original. Algumas cenas chegam a ser memoráveis – como aquela em que eles tropeçam em um cemitério macabro na sua rota congelante.
O que permite chegar até o desenlace mal-amarrado sem sentir o tempo passar, contudo, é a atuação magnética de Noomi Rapace. A atriz é uma estrela global em ascensão, com rosto reconhecível em várias outras produções na Netflix, como Close e The Trip. No novo sucesso, ela confere estâmina e sangue quente à figura da mãe ferida que faz até o impossível para ter a filha de volta – uma premissa que injeta benéfica dose de melodrama na paisagem fria do filme. Se Caranguejo Negro tem algum borogodó, ele se chama Noomi.