“Sérgio, outro dia fiquei pensando: não é estranho o cálculo renal ter esse nome, como se tivesse alguma coisa de matemático? Ou é só coincidência e uma coisa não tem nada a ver com a outra?” (Rosa Farias)
Sim, Rosa, uma coisa guarda relação com a outra, mas isso não quer dizer que tenha havido uma inspiração matemática no batismo do cálculo renal, popularmente chamado de pedra no rim. Longe disso.
A explicação para essas duas – e tão diferentes – acepções de cálculo deve ser buscada no latim calculus, “pedrinha, seixo, calhau”. Trata-se de um diminutivo de calx, “pedra calcária”, ancestral de termos como cal e cálcio. Da concretude mineral daquela acepção básica, calculus se expandiu no próprio latim clássico em duas direções.
Numa delas, por metáfora óbvia, passou a designar aquela incômoda e por vezes dolorosíssima “concreção pétrea que se forma em diversas partes do corpo do homem e de animais por precipitação de certas substâncias e sais minerais” (Houaiss).
Na outra, por uma extensão metonímica mais sutil, calculus passou a nomear o ato de fazer contas, para o qual muitas vezes se empregavam pedrinhas.
Uma curiosidade: o escritor argentino Jorge Luis Borges criticou certa vez o que supunha ser a inutilidade da etimologia, com o seguinte argumento: “Saber que, em latim, cálculo significa pedrinha e que os pitagóricos usavam dessas pedrinhas antes da invenção dos números não nos permite dominar os arcanos da álgebra”.
De fato, não se aprende a calcular conhecendo a origem da palavra cálculo. Acrescenta-se apenas uma pedrinha ao edifício de nossa compreensão sobre a linguagem, o que não é pouco.
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