“Professor, ultimamente estão dizendo muito ‘pé na jaca’. No meu entender, seria ‘pé no jacá’. Qual seria o certo?” (Luiz Fernando C. Marcondes)
As duas formas são usadas. Como o uso, no caso de expressões idiomáticas, tem indiscutível soberania, não se pode dizer que exista uma certa e uma errada. Parece provável que “meter o pé no jacá” ou “estar com o pé no jacá” seja anterior, a origem de tudo, e a jaca, fruto da jaqueira, tenha entrado nessa história mais tarde por semelhança sonora. O fato é que entrou e vai ser difícil tirá-la de lá, mesmo porque o “pé na jaca” é hoje dominante – e pouca gente sabe o que é jacá.
Jacá, do tupi aya’ka, é “cesto trançado de taquara ou cipó” (Houaiss). Meter o pé no jacá, como se sabe, significa antes de mais nada passar do ponto na bebida, tomar um porre, um pifão, embora o sentido possa ser ampliado para abarcar também tipos não alcoólicos de excesso e desregramento. Como será que uma coisa foi dar na outra?
A origem de expressões idiomáticas nunca é assunto pacífico. Neste caso, as teses variam um pouco, mas não costumam fugir demais da que é exposta pelo músico Henrique Cazes em seu livro “Suíte gargalhadas” (José Olympio, 2003), reunião de historietas reais protagonizadas por personagens da música popular brasileira:
A origem dessa denominação do pileque remonta aos tempos em que os bares tinham, na parte da frente, cestos com frutas e legumes. Era o modelo botequim-quitanda. E era nos cestos de palha, chamados jacás, que ficavam os artigos à venda. Quando alguém bebia demais, ao sair, enfiava o pé no jacá.
A relativa obscuridade da palavra jacá bastaria para explicar a metamorfose ocorrida desde então, mas é preciso registrar que, além disso, a imagem de um pé enfiado numa jaca gorda e visguenta, com seu cheiro estonteante, tem uma expressividade que nos ajuda a compreender o fato de a expressão ter caído no gosto dos falantes.
“Cair no gosto”, a propósito, é uma expressão idiomática que passou por processo semelhante, tendo surgido como variação da antiga “cair no goto” (ou seja, na glote), que hoje – felizmente, eu diria – quase ninguém usa.