Quando surgiu no grego, a palavra idiotes não era tão pesadamente ofensiva – ou pesadamente precisa, a depender do cidadão a que se refere – quanto acabaria por se tornar depois que, por meio do latim idiota, se espalhou pelo mundo e gerou descendentes em diversas línguas, entre elas o português, o francês e o inglês.
O sentido primitivo de idiotes era o de “homem privado”, isto é, metido com seus próprios afazeres, afastado da gestão da coisa pública. Na sociedade grega da época, isso era o mesmo que dizer “pessoa sem instrução”, pois só tomava parte na vida pública quem tivesse algumas luzes.
No núcleo de idiotes está idios, que tem o sentido de “próprio, particular, peculiar”. Trata-se do mesmo elemento que viria a dar em vocábulos como idioma (“língua pátria”, mas inicialmente “particularidade de estilo”) e idiossincrasia (“característica peculiar de comportamento”). Etimologicamente, a palavra não carregava juízo de valor.
Naturalmente, já no próprio grego a palavra começou a ter uso pejorativo. Afinal, a condição de “homem privado”, de leigo em questões do Estado, era uma marca de inferioridade de classe. Quando chegou ao latim, idiota já carregava, ao lado da acepção primitiva de “pessoa simples, sem instrução, iletrada”, a de “pateta, parvo, tolo”.
No século 19, o vocabulário psiquiátrico se encarregaria de agravar o peso da palavra, trasformando o termo idiotia em sinônimo de “retardo mental grave”. No entanto, é interessante notar como aquela acepção relativamente branda de idiota – hoje inteiramente obsoleta – persistiu nas línguas que herdaram a palavra, ao lado do sentido moderno, durante a Idade Média e mesmo além dela.
Dois exemplos deixam isso claro. O Webster’s registra que, em meados do século 15, o teólogo inglês John Capgrave podia se referir aos apóstolos de Cristo como “doze idiotas” sem temer a Inquisição. De modo semelhante, o filólogo brasileiro João Ribeiro conta no livro “Curiosidades verbais” que “[no século 16] havia nas aldeias portuguesas juízes idiotas, simples juízes de paz e de quem não se exigia mais que os bons costumes, a experiência, a probidade”.