“Olá, Sérgio. Adoro a sua coluna e acho que só você pode me ajudar. Já procurei muito por aí a origem do dito popular: ‘Ele ouviu o galo cantar, mas não sabe onde’. Não achei nada. Será que você sabe onde o galo cantou, rs?” (Melissa Freire)
Melissa, dizem que esse galo cantou no Rio de Janeiro colonial, provavelmente numa madrugada da segunda metade do século XVIII. Dizem também que era um galo de briga, um campeão famoso pela eficiência com que estraçalhava os adversários na rinha, então situada no Campo de Santana. A história não registrou o nome do bicho, infelizmente, mas consta que seu dono era um certo Mestre Malaquias, alfaiate de renome.
Quem conta essa história é o latinista brasileiro Antônio de Castro Lopes (1827-1901) em seu livro “Origens de anexins”, de 1893. Anexim é um sinônimo antigo de provérbio, máxima, e está longe de ser o único aspecto antiquado da obra de Castro Lopes, que Machado de Assis gostava de ironizar por sua dedicação à invenção de neologismos que substituíssem palavras importadas do francês. Mas voltemos à história do galo de Malaquias.
Um dia o campeão da rinha desapareceu, deixando o alfaiate “triste, saudoso e acabrunhado”, nas palavras de Castro Lopes. A um aprendiz chamado Braz, que morava com ele, Malaquias chegou a prometer recompensa equivalente a um ano de salário se encontrasse o galo. Uma madrugada, o tal Braz acordou o patrão. Estava agitado. Segue a narrativa:
– Sô mestre, eu ouvi cantar o galo.
– Hein? – disse Malaquias, levantando-se, porque já estava amanhecendo o dia. – Mas onde está, onde está? – perguntou cheio de alegria.
– Eu ouvi cantar o galo – responde o aprendiz –, mas não sei onde.
Além de ser demitido no ato, o pobre Braz viu sua patetice dar origem a um dito popular que, nas corretas palavras de Castro Lopes, é “aplicável aos que, referindo ou querendo explicar os fatos, ignoram as circunstâncias indispensáveis e essenciais”.
E quem quiser que conte outra.
A tese do galo de Malaquias soa vaga e romântica, sem dúvida, mas é a única que conheço sobre a origem dessa frase feita tão presente no português brasileiro. O fato de Castro Lopes tê-la registrado em fins do século XIX – no meio do caminho entre nosso tempo e o passado nebuloso em que o galo teria cantado pela primeira vez – garante-lhe algum valor: se a história não foi exatamente assim, parece ter sido essa, pelo menos, a história que corria de boca em boca sobre a história. No caso de expressões idiomáticas, isso é muitas vezes o máximo que podemos ambicionar.
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