Maria vai com as outras porque é maria-vai-com-as-outras
“Olá, gostaria de saber de onde veio a expressão ‘maria vai com as outras’. Obrigada.” (Maria Lucia Campos) “Fulano é um maria-vai-com-as-outras” (com hifens desobedientes, por favor, como veremos abaixo) é, como se sabe, um modo informal e tradicionalíssimo de dizer que alguém é influenciável, de personalidade fraca, desprovido de opinião própria. Quando tentamos mergulhar […]
“Olá, gostaria de saber de onde veio a expressão ‘maria vai com as outras’. Obrigada.” (Maria Lucia Campos)
“Fulano é um maria-vai-com-as-outras” (com hifens desobedientes, por favor, como veremos abaixo) é, como se sabe, um modo informal e tradicionalíssimo de dizer que alguém é influenciável, de personalidade fraca, desprovido de opinião própria.
Quando tentamos mergulhar na história do substantivo “maria-vai-com-as-outras”, encontramos uma grande variedade de teses que comprovam um fato curioso: nenhum de nossos filólogos quer parecer um maria-vai-com-as-outras. Vejamos as principais.
Para Luís da Câmara Cascudo, a expressão “refere-se à sequência das 150 ave-marias no rosário, cada qual separada por um dos quinze padre-nossos. A uma Maria, seguem-se as demais”.
João Ribeiro acredita numa origem também religiosa, mas bem diferente: o fato de serem mencionadas frequentemente juntas “as três Marias da Lei nova: Maria, Nossa Senhora; Maria Madalena; e Maria, irmã de Lázaro”.
Antenor Nascentes parte para terreno laico e enraíza sua explicação para “maria-vai-com-as-outras” na história portuguesa da virada entre os séculos XVIII e XIX: “Palavras que o povo dizia quando via sair a passeio, acompanhada de suas damas de honra, a rainha D. Maria I”.
Se parece difícil chegar a uma conclusão a esta altura, é preciso reconhecer que não é esse o problema mais embaraçoso que a velha palavra composta apresenta para os estudiosos da língua.
Ocorre que o Acordo Ortográfico – que o Brasil na prática já adotou, mas que ainda é encarado com imensas reservas em Portugal – mandou suprimir os hifens de “maria-vai-com-as-outras”, no que foi seguramente uma de suas decisões mais infelizes.
O resultado é que dicionários brasileiros que registravam o verbete quando ele era hifenizado não o trazem mais – o Houaiss o rebaixou a locução dentro do verbete “maria”.
É claro que, apesar disso, ainda estamos falando de um substantivo. Uma palavra composta e, digamos, oracional, que precisa – desesperadamente – da cola do hífen para não se transformar num monstrengo capaz de sugerir na página um pesadelo sintático. Quem escreve, por exemplo, uma frase simples como “Maria vai porque é uma maria vai com as outras” percebe logo o crime que foi cometido contra essa bela expressão.
Por tudo isso, só me resta propor a desobediência civil: em meu vocabulário, “maria-vai-com-as-outras” conserva seus imprescindíveis hifens. Tenho uma boa defesa também, chamada estilística. Aquilo que levou Álvaro de Campos a falar numa “mulher-todas-as-mulheres” e que o gramático Celso Pedro Luft chamou de “hifenização subjetiva, estilística”, que visa “à clareza e força de expressão”. É o caso, sem dúvida.
De todo modo, se você tiver um professor pouco sensível a argumentos tão rebuscados, talvez ache mais prudente ser um maria-vai-com-as-outras e escrever “maria vai com as outras” mesmo.
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