Relâmpago: Revista em casa por 8,98/semana
Imagem Blog

Sobre Palavras

Por Sérgio Rodrigues Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Este blog tira dúvidas dos leitores sobre o português falado no Brasil. Atualizado de segunda a sexta, foge do ranço professoral e persegue o equilíbrio entre o tradicional e o novo.

‘Como lhe aprouver’ – isso existe?

“Costumo ver em convenções e regulamentos de condomínios residenciais as palavras APROVER e APROUVER, como sinônimas e significando o que você mesmo pode deduzir da leitura da seguinte frase tirada de um desses documentos (que são registrados em cartório e têm valor de lei): ‘Usar, gozar e dispor de sua unidade (apartamento, casa, lote) como […]

Por Sérgio Rodrigues
Atualizado em 31 jul 2020, 14h34 - Publicado em 12 ago 2010, 16h58

“Costumo ver em convenções e regulamentos de condomínios residenciais as palavras APROVER e APROUVER, como sinônimas e significando o que você mesmo pode deduzir da leitura da seguinte frase tirada de um desses documentos (que são registrados em cartório e têm valor de lei): ‘Usar, gozar e dispor de sua unidade (apartamento, casa, lote) como lhe APROUVER (ou APROVER), respeitadas, entretanto, as estipulações da Convenção (ou Estatuto) do Edifíco Condomínio X e deste Regulamento Interno’. Minha aposta é que essas palavras não existem. Estou certo?” (Gilberto Custodio de Camargos)

A dúvida de Gilberto é interessante. Sim, “aprouver” existe (enquanto “aprover” é apenas um erro de ortografia). Trata-se da conjugação na terceira pessoa do futuro do subjuntivo do verbo “aprazer”, que significa agradar, dar prazer. Quando o texto citado acima enuncia “como lhe aprouver”, está querendo dizer “como lhe for mais agradável ou prazeroso”, o que, adaptado para uma fórmula popular, traduz-se no fim das contas por “como quiser, como bem entender”.

O fato de “aprouver” soar estranho aos ouvidos do leitor – e de muita gente – deve-se a uma combinação de dois fatores. O primeiro é que “aprazer”, respeitável verbo existente no português desde que nosso idioma engatinhava, no século 13, já não aparece com tanta frequência na linguagem cotidiana. O adjetivo aprazível, isto é, “agradável”, é seu derivado de maior circulação. Também se encontra de vez em quando uma construção como “isso me apraz”, mas normalmente em discursos de corte erudito.

(Quer dizer que a linguagem das convenções de condomínio é erudita? De certa forma, sim. Ela pertence a um ramo meio degenerado do registro erudito chamado linguagem bacharelesca, que usa – nem sempre com propriedade – fórmulas cunhadas pelo discurso jurídico. “Aprouver” entra aí como clichê, ideia feita, e talvez o redator nem saiba empregá-lo em outro contexto. É comum que palavras raras tenham vida próspera na bolha de um lugar-comum e jamais se aventurem fora dela: quantos de nós já teremos visto o adjetivo crasso, que significa grosseiro, ser usado longe do substantivo erro?)

A segunda e principal razão da estranheza provocada por “aprouver” é gramatical. Como aprazer é um verbo irregular, refazer mentalmente o caminho entre “aprouver” e sua forma infinitiva, a única que os dicionários registram, pode ser difícil. Some-se a isso o fato de aprazer ser um daqueles animais ariscos chamados verbos defectivos. Defectivo é o verbo que não pode ser conjugado em todas as formas. No caso de aprazer, é usado apenas na terceira pessoa – a menos que seja pronominal, “aprazer-se”, apresentando então conjugação completa.

Diante dessa confusão, o leitor estará desculpado se considerar “aprazer” um verbo pouco aprazível e preferir manter distância dele. Registre-se apenas, para encerrar, que alguns gramáticos modernos flagram uma evolução em seu uso e admitem como correta a conjugação regular: no caso do texto citado acima, isso resultaria em “como lhe aprazer” em vez de “como lhe aprouver”. Uma simplificação que sem dúvida facilita a vida do falante, mas com a qual, confesso, nunca esbarrei na vida real.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
Apenas 9,90/mês*
OFERTA RELÂMPAGO

Revista em Casa + Digital Completo

Receba 4 revistas de Veja no mês, além de todos os benefícios do plano Digital Completo (cada edição sai por menos de R$ 9)
A partir de 35,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a R$ 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.