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Sobre Palavras

Por Sérgio Rodrigues Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Este blog tira dúvidas dos leitores sobre o português falado no Brasil. Atualizado de segunda a sexta, foge do ranço professoral e persegue o equilíbrio entre o tradicional e o novo.

‘Cheguei em casa’ ou ‘cheguei a casa’?

“Tenho uma dúvida que me mortifica. A regência do verbo ‘chegar’ é feita com a preposição ‘a’, mas falar ‘cheguei a casa’ não me parece natural, já que ‘cheguei em casa’ é o que se costuma ouvir. A forma com a preposição ‘em’ está totalmente errada ou é aceita em algum contexto específico? Muito obrigado […]

Por Sérgio Rodrigues
Atualizado em 31 jul 2020, 04h10 - Publicado em 26 mar 2014, 13h56

“Tenho uma dúvida que me mortifica. A regência do verbo ‘chegar’ é feita com a preposição ‘a’, mas falar ‘cheguei a casa’ não me parece natural, já que ‘cheguei em casa’ é o que se costuma ouvir. A forma com a preposição ‘em’ está totalmente errada ou é aceita em algum contexto específico? Muito obrigado pela atenção.” (Mateus Zanetti)

A dúvida de Mateus pode ser mesmo um tanto mortificante, como ele diz, porque a resposta depende do grau de abertura de cada um sobre o que é certo e errado – e os árbitros normalmente consultados nesse momento, gramáticos e lexicógrafos, têm feito corpo mole há décadas na hora de reconhecer a mudança na regência do verbo chegar operada pelo português brasileiro.

“Cheguei a casa” é uma construção natural, sim – em Portugal. Assim mesmo, sem crase, com a ausência do artigo indicando que se trata da própria casa do sujeito. No Brasil, como se sabe, os falantes mantêm o artigo ausente, mas preferem há muitas gerações uma outra preposição: “Cheguei em casa”.

No primeiro caso temos a regência clássica recomendada pelos sábios, com a preposição a pondo em relevo o ato de alcançar uma meta, concluir um percurso. Na segunda construção, a preposição em dá o percurso por encerrado: o sujeito, tendo chegado, já está lá. Nuances.

Linguistas modernos tiram isso de letra com o argumento de que a regência verbal, entre outros traços da língua, não é decidida pelos guardiões da tradição, mas pelos próprios falantes. Quando se leva em conta que o escritor brasileiro Lúcio Cardoso, para citar apenas um exemplo, já escrevia uma frase como “Cheguei em casa ainda sob o domínio dessas ideias” em seu clássico “Crônica da casa assassinada”, de 1959, fica ainda mais difícil perdoar a insistência da brigada gramatical conservadora em rejeitar uma construção tão consolidada em nosso idioma – inclusive em seu registro culto.

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O fato é que a tensão ainda não se resolveu por completo. “Chegar em casa” é uma expressão tão habitual que normalmente se faz vista grossa, mas a mesma leniência não costuma ocorrer diante de frases como “Cheguei na festa atrasado” ou “Chego em São Paulo amanhã”. Neste casos, mais próprios da linguagem coloquial, não faltam professores dispostos a considerar simplesmente errado o emprego da preposição em.

No fim das contas o falante arisco precisa desenvolver uma boa dose de jogo de cintura e, sim, hipocrisia. Fica atento às ocasiões mais formais em que, sobretudo por escrito, tal uso possa ser usado contra ele. Ao mesmo tempo evita o ridículo de, numa conversa informal, pronunciar algo tão alienígena como “Cheguei a casa”.

No mais, vai sonhando com o dia em que uma geração mais arejada de sábios deixará menos distantes a língua da cabeça e a língua do coração.

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Devido ao grande número de mensagens dos leitores, a seção Consultório volta a ser publicada também na quarta-feira.

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