O caso de avatar é curioso: da cultura analógica para a digital, a palavra se revestiu de novos sentidos e ganhou uma circulação com a qual, até então, nem podia sonhar.
Avatar é termo antigo, de origem religiosa: nasceu no sânscrito avatara – literalmente, “descida do céu à terra” – para designar cada uma das formas humanas ou animais assumidas pelo deus hindu Vixnu ao visitar a humanidade. Avatar era a materialização de uma força espiritual, o modo como ela se deixava ver.
Foi com esse sentido que avatar se materializou tardiamente nas línguas ocidentais: seus primeiros registros são de 1784 em inglês, 1800 em francês e, por influência deste, 1871 em português. A expansão de sentido que sofreu inicialmente nesses novos idiomas foi, ao mesmo tempo, restrita e vaga: virou uma metáfora erudita para “metamorfose” ou “transfiguração”, sobretudo no vocabulário dos poetas.
Nada prenunciava a explosão de popularidade pela qual avatar passaria na virada do século 20 para o 21, e que teve como ponto culminante o longa-metragem de mesmo nome dirigido por James Cameron e lançado em 2009. Desde meados dos anos 1980, a palavra vinha sendo empregada na literatura de ficção científica conhecida como cyberpunk, nas experiências de realidade virtual, nos RPGs (eletrônicos ou não) e, por fim, em prosaicas salas de chat na internet. Seus sentidos se multiplicaram, mas com uma base comum: o avatar é a representação do jogador, do usuário, do internauta num novo ambiente. Como se ele fosse Vixnu a baixar na terra.
Ainda se discute quem foi o pioneiro desse uso contemporâneo de avatar. Há quem aposte num game de 1985 chamado Habitat e quem prefira dar crédito a escritores como William Gibson ou Neal Stephenson. Talvez seja mais razoável falar em criação coletiva.