A história do alho-poró é divertida. Conhecida em Portugal como alho-porro (ou ainda porró ou porrô), a saborosa erva chamada cientificamente de Allium ampeloprasum ou porrum ganhou no Brasil a variação eufemística “poró” como forma de atenuar a associação com o palavrão “porra”. Este, ninguém ignora, é entre nós um sinônimo de esperma, uma palavra-ônibus de amplo espectro negativo e uma interjeição grosseira de uso disseminado. Não ficava bem levá-lo à mesa, confere?
A associação do alho-porro com o vocábulo “porra” não é uma coincidência: suas raízes etimológicas são firmes, mas, por incrível que pareça, inteiramente desprovidas de malícia. Para bem compreendê-las é preciso levar em conta algumas informações:
1. Que “porra” é essa? A acepção da palavra que é mais difundida no Brasil, exposta acima, não tem nada a ver com a história. O nome da erva está ligado ao sentido original de “porra”, isto é, “tipo de maça, arma contundente com cabeça redonda e haste alongada”. O mesmo que deu origem ao substantivo “porrete”, seu diminutivo, muito usado ainda entre nós.
2. Foi a porra-arma que pegou seu nome emprestado do alho-porro, e não o inverso. O etimologista catalão Joan Corominas conta que tudo começou no latim, quando a semelhança de forma com a erva (porrum) deu origem ao adjetivo porrea para qualificar certo tipo de maça ou clava.
3. Não demorou para que “porra” virasse um palavrão em português, mas a princípio como sinônimo de membro sexual masculino. É assim que a encontramos na poesia de Bocage em fins do século XVIII. Já a acepção tipicamente brasileira tem origem meio nebulosa, embora seja razoável supor que brotou como expansão daquela que encontramos em Bocage.
Como se vê, a associação com o alho não deve nada a nenhum dos sentidos tabuísticos da palavra. Mesmo assim, convenhamos que os falantes brasileiros têm lá suas razões para preferir “alho-poró”.