Segurança terá política de prevenção de crimes, diz vice-governador
Ranolfo Vieira Júnior, que também é secretário de Segurança, falou a VEJA sobre projeto que unirá geração de emprego e cultura para prevenir violência
Vice-governador do Rio Grande do Sul, o delegado Ranolfo Vieira Júnior (PTB), foi escolhido pelo novo governador, Eduardo Leite (PSDB), para assumir também a Secretaria de Segurança Pública (SSP). Em entrevista a VEJA na última segunda-feira, 14, no seu gabinete, ele falou sobre o projeto de prevenção da criminalidade, que será anunciado neste mês.
Conforme o vice-governador, o projeto envolverá áreas sociais como cultura, educação e geração de emprego para evitar o envolvimento de jovens com a criminalidade. “Com um programa dessa natureza, vou colher resultado em médio e longo prazo. Mas se não iniciar isso, vai continuar esse ‘enxugar gelo’ que é o ‘prende e solta’, derruba o traficante da esquina e no outro dia já tem um menino assumindo ali. Claro, não posso ter um olhar só para a prevenção e deixar o crime andar solto na rua. Não. Vamos combater o crime, mas ter política de prevenção”, disse à reportagem.
A primeira iniciativa de sua pasta foi a criação da Secretaria de Administração Penitenciária, responsável pelos presídios. De acordo com Ranolfo, a maioria dos estados já possui uma gestão exclusiva para as cadeias – o Rio Grande do Sul era uma das exceções.
O vice-governador atuou como delegado por mais de vinte anos, dirigiu o Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais), foi chefe de polícia no governo de Tarso Genro (2011-2014), presidiu o Conselho Nacional de Chefes de Polícia Civil do Brasil (CONCPC) (2012-2013) e foi secretário municipal de Segurança e Cidadania (2015-2018) em Canoas, na gestão de Luis Carlos Busato.
Abaixo, sua entrevista.
O senhor atuou como delegado e chefe de polícia, de que maneira essa experiência vai colaborar com sua gestão?
Não tenho dúvida que o conhecimento que tenho da área de segurança pública tem muito para contribuir para a administração, para o combate à criminalidade. Especialmente porque já foi aprovado pela Assembleia que o Sistema Penitenciário fica desmembrado da Segurança Pública, algo previsto no nosso plano de governo. Neste momento respondo por ambas, visando a fazer o desmembramento. Não tenho dúvida de que o sistema penitenciário tem um reflexo direto na área de segurança. Isso não é só no estado, é no Brasil. Veja, por exemplo, o que está acontecendo no Ceará e outros estados. O reflexo é direto. No entanto, não se tem como gerenciar as duas áreas. É necessário alguém específico para gerenciar as penitenciárias. Aqui no Rio Grande do Sul, temos cerca de 40.600 presos. Nossa capacidade está extrapolada em mais de 12.000 vagas. Temos a responsabilidade de abertura de novas vagas. A criação dessa secretaria parte dessa premissa.
Como será o funcionamento da nova secretaria?
A Secretaria de Segurança Pública segue com a sua estrutura, que é a Brigada Militar (BM), Polícia Civil (PC), Instituto Geral de Perícias, Corpo de Bombeiros e Detran, que nessa reforma veio de volta. No outro lado, uma outra secretaria, independente, a de Administração Penitenciária. No seu organograma, está a Susepe (Superintendência dos Serviços Penitenciários). Minha ideia é que nos 100 primeiros dias consiga fazer esse desmembramento e apontar o nome de um secretário que vai levar o dia a dia. A primeira novidade de segurança é a criação da Secretaria de Administração Penitenciária. Das 27 unidades federativas, 22 ou 23 são assim já.
Qual a visão do senhor para políticas públicas para o sistema penitenciário?
As novas casas prisionais devem ter no máximo 400 vagas, que é o que a doutrina penitenciarista diz. Os presídios devem ser regionalizados, onde o preso tenha contato com a sua família. As casas prisionais devem ter toda a tecnologia embarcada: monitoramento de câmeras interno, bloqueadores de celular, preso uniformizado, menor contato pessoal possível entre o agente penitenciário e o preso. Estamos na iminência de inaugurar o novo presídio de Bento Gonçalves, bem dentro desse novo modelo.
O Presídio Central (Cadeia Pública) é considerado um dos piores do Brasil. A Brigada Militar trabalha lá dentro, o que é incomum. O senhor visualiza uma mudança, com a retirada do efetivo e a volta do controle dos agentes penitenciários?
A Brigada Militar está há mais de vinte anos no sistema penitenciário. Foi logo após uma rebelião que aconteceu. A BM assumiu algumas casas de maneira provisória e hoje está em duas, em Porto Alegre e na Penitenciária Estadual do Jacuí. Não temos dúvida da necessidade da retirada da BM. Mas não posso, ainda, dizer se vai acontecer amanhã ou depois. Mas isso está na nossa visão, no nosso radar. Assim como está no nosso radar a Cadeia Pública, que está com sua capacidade extrapoladíssima. Ela foi construída com 650 vagas, a primeira reforma passou para cerca de 900, a terceira para 1.500 e hoje abriga quase 5.000 presos. No entanto, não tenho como dizer ‘vou fechar amanhã”. Onde nós vamos colocar esses presos que lá estão se, mesmo com ela, nosso déficit existente já é em torno de 12.000 vagas? No mínimo melhorar as condições da Cadeia Pública a gente quer.
O senhor assume a segurança após uma gestão que teve a crise mais grave na área, marcada por casos de presos algemados a lixeiras, viaturas servindo como celas e aumento da criminalidade. Por que o senhor acredita que ocorreu essa crise?
Não quero fazer crítica ao governo que passou, não é o meu objetivo. No entanto, nos dois primeiros anos de governo não houve o investimento, o olhar devido que deveria ter. A partir do secretário Cezar Schirmer, embora ele não seja da área, fazia parte do núcleo duro do governo e o poder político começou a ter um olhar diferente. A partir daí, começaram ações que mostraram redução significativa [nos índices], embora maior ainda que 2014.
No auge da crise, o governo anterior modificou a periodicidade da divulgação das estatísticas criminais e privilegiou a leitura de índices que mostrassem uma melhora, mesmo que as ocorrências fossem mais numerosas do que na gestão anterior. Como o senhor vai trabalhar a divulgação das estatísticas?
A questão da transparência é fundamental. Em um primeiro momento, me parece justo que a cada trinta dias a sociedade tenha um mapeamento da criminalidade. Temos que ter muito cuidado com os números. O período de um mês, o comparativo de um ano, não é absoluto, demonstra uma tendência. Tem que ter estudo histórico, sempre buscando até os últimos dez anos. Fazer a leitura adequada dos dados. Não podemos sonegar esses dados da sociedade. Independentemente de ir bem ou não ir bem, me parece que tem que se divulgar. A sociedade clama pela sensação de segurança, não tanto pelo indicador puro. Claro, devolver a sensação de segurança à sociedade é sinal de que o sistema está funcionando bem e, automaticamente, vai ter reflexo nos indicadores.
Para chefe de polícia, o senhor escolheu a primeira mulher para ocupar o cargo, na Brigada Militar manteve o comandante geral e para secretário-adjunto escolheu um coronel. Por que esses nomes?
O ponto “número 1” para a segurança dar certo se chama integração [entre os órgãos]. É isso que venho pregando. Na minha maneira de ver, o secretário adjunto tinha que ser alguém ligado à Brigada Militar. O nome do coronel Marcelo Frota foi decisivo para mostrar que a integração é importante. O comandante-geral, coronel Mário Ikeda, é alguém cuja história e currículo conheço, decidi mantê-lo. Na Polícia Civil, escolhi a delegada Nadine Anflor pelas qualidades, não porque ela é mulher. Que bom que conseguimos contemplar alguém qualificado e somar ao fato de ser a primeira mulher, o que também é uma quebra de paradigma. No IGP (Instituto Geral de Perícias), a perita Heloísa Kuser é uma pessoa renomada, técnica, que estava à frente do IGP havia oito meses. Nos Bombeiros, o coronel Cesar Bonfanti era o subcomandante-geral, tem conhecimento. Na Susepe, temos o agente Mario Santa Maria Junior, que já foi superintendente. São escolhas técnicas, não políticas.
A delegada Nadine e o coronel Frota lideram entidades de classe. É um sinal de diálogo com os servidores?
Sem dúvida nenhuma. Mas é um sinal, para nós mais importante na escolha, da efetiva liderança que eles têm, cada um dentro da sua instituição. Também foi um motivador. Queremos ser um governo que tenha como marca o diálogo e a transparência.
No primeiro dia de gestão, o governador Eduardo Leite assinou uma série de decretos que visam à contenção de custos. De que forma isso vai afetar a segurança?
Passamos por um colapso nas contas do estado, temos um déficit nas contas de 2019 da ordem de 4 bilhões de reais, isso somado ao que ficou do exercício anterior eleva para cerca de 11 bilhões de reais. Além disso, vamos ter quinze folhas de pagamento para doze meses de arrecadação. Estamos fazendo avaliação do que podemos reduzir, se é que pode reduzir, para apresentar ao governador. Um dos decretos fala em redução de 50% das horas extras. No primeiro dia de vigência, foi aprovada uma exceção para a segurança. As horas extras servem justamente para cobrir a falta de efetivo existente. A partir de julho, teremos 2.000 novos policiais militares em exercício. Então, isso acena com a possibilidade de reduzir as horas extras que utilizo neste momento.
A falta de efetivo na segurança é conhecida. A abertura de concurso público recente foi bem recebida, mas ao mesmo tempo foi criticada porque ocorreu apenas no final do governo. Como o senhor pretende lidar com a questão?
Nossa ideia é que os chamados não sejam dessa forma, só no final do governo, mas que sejam ao longo dos quatro anos, de maneira organizada, planejada e responsável. Não adianta contratar 10.000 e não ter dinheiro para pagar. O importante é que esses 2.000 PMs vão ingressar no primeiro ano de governo. A gente vai manter, no mínimo, o ingresso para substituir aqueles que estão se aposentando para não piorar a situação. Outra coisa importante é a estratégia de lotação desses novos servidores. O estado tem 497 municípios, vamos arredondar para 500. Dois mil homens dividido por esse número resulta em quatro brigadianos por cidade. Isso vai mudar alguma coisa? Não vai mudar nada nem na cidade pequena, que tem três brigadianos. Aqui em Porto Alegre muito menos. Estamos pensando na estratégia de lotação, visando o melhor emprego dessa força. Vai ter estratégia, não vai ser uma coisa solta, porque acabaria diluindo os PMs nos municípios e não tem resultado.
Foram mais de trinta meses consecutivos de salários parcelados dos funcionários, incluindo os da segurança, como trabalhar com essa realidade?
Temos uma vontade política de priorizar o pagamento dos servidores, trazendo o pagamento para dentro do mês trabalhado, conforme dispõe a Constituição. Temos plena consciência da dificuldade, mas queremos reafirmar esse compromisso, talvez fixar uma data para que as pessoas não fiquem sem saber quando vão receber.
O policiamento comunitário foi uma marca da gestão da qual o senhor participou [governo de Tarso Genro], com policiais morando nos bairros e com laços com os vizinhos. Essa política foi interrompida na gestão anterior [José Ivo Sartori], ela poderá ser retomada?
A polícia comunitária é importante, está na base, no território, conversando com as pessoas, as pessoas se identificam com o policial. Neste momento, talvez o desejo da sociedade nem seja esse, mas a sensação de tranquilidade, blitz, abordagem e operações integradas. Talvez não tenha condições nesse primeiro momento de dar toda a atenção que eu gostaria de dar à polícia comunitária. Porém, temos um projeto novo de política de prevenção. É um projeto transversal, entre várias secretarias, que envolve segurança, desenvolvimento social, educação, saúde, administração penitenciária, esporte e lazer, cultura, geração de trabalho e renda. Hoje, infelizmente, o estado, no sentido amplo, disputa a criança e o adolescente com o mundo do crime – e perde. Nós temos que construir uma política que dê oportunidade a esse jovem para que ele não acabe enveredando para o mundo do crime. “Ah, secretário, mas isso é uma viagem”. Não, eu não acho uma “viagem”. Acho que vai levar mais tempo. Com um programa dessa natureza, vou colher resultado em médio e longo prazo. Mas se não iniciar isso, vai continuar esse “enxugar gelo” que é o “prende e solta”, derruba o traficante da esquina e no outro dia já tem um menino assumindo ali. Claro, não posso ter um olhar só para a prevenção e deixar o crime andar solto na rua. Não. Vamos combater o crime, mas ter política de prevenção.
O decreto do presidente Jair Bolsonaro facilita a posse de arma e aumenta o número de arma por indivíduo. Qual a opinião do senhor?
Existe uma lei e um decreto não pode alterar a lei. Não quero abrir contrariedade e respeito a legitimidade da eleição do presidente Bolsonaro. “Ah, o decreto vai liberar as armas”. Não, não pode. O decreto está abaixo da lei. Acredito que haja necessidade de uma relativa flexibilização, até do ponto de vista financeiro. Hoje se gasta 4.000 reais, 5.000 reais para ter o porte. Anualmente, são 3.000 reais, é um valor exorbitante. No entanto, de algumas premissas básicas não se pode abrir mão. A primeira delas é a capacidade técnica para manuseio de arma. Não posso dar arma para quem nunca deu um tiro. O segundo ponto é que não tem como abrir mão da aptidão psicológica. Dirijo um carro e preciso passar por um psicotécnico. Com arma de fogo, precisa do teste com mais razão ainda. Essa capacidade psicológica é fundamental. Não adianta saber manusear e ser um maluco. Dessas premissas não tem como abrir mão.
Qual sua visão de política de combate às drogas, que ocupa parte significativa do trabalho das polícias?
Temos a necessidade de que a União tenha um olhar diferenciado para a fronteira. Não se produz cocaína no Brasil. Não se produz maconha no Rio Grande do Sul, a maconha vem do Paraguai e do Nordeste, atualmente um grande plantador desse tipo de droga. Eu sou favorável ao combate, tem que combater o tráfico com o desmantelamento das organizações criminosas e a descapitalização dessas organizações. O combate tem que ser de maneira inteligente. Mas, se tem tráfico de entorpecente, é porque tem mercado consumidor.
No último ano, surgiu o Instituto Cultural Floresta, que fez doação de veículos e equipamentos à segurança, o que foi bem recebido. A entidade trabalhou ainda na aprovação da Lei de Incentivo à Segurança, o que também foi comemorado. Porém, críticas apontam um temor de que a inciativa privada influencie as políticas públicas na área. Qual a visão do senhor?
Sou favorável à busca de financiamento da segurança pública. O grande problema é a falta de capacidade de investimento, não só no Rio Grande do Sul. Não tenho dúvida da legitimidade da Lei de Incentivo à Segurança, temos Lei de Incentivo à Cultura. Vejo com bons olhos. “Ah, vai facilitar o ente privado, o doador”. Na realidade, quem vai decidir é um conselho comunitário. Dentro desse conselho, as entidades se segurança vão apontar necessidades e o que se pode captar ao longo de 2019.