Por ter sido encerrada um mês antes do previsto, o Santander vai devolver ao governo a verba captada pela Lei Rouanet para a mostra “Queermuseu”, em Porto Alegre. A exposição sobre diversidade e temática LGBT foi fechada após críticas de grupos, incluindo o Movimento Brasil Livre (MBL).
Com a Lei Rouanet, o Santander deixa de pagar impostos à Receita Federal e destina a verba ao segmento cultural. Para a exposição, o Santander destinou 800.000 reais. O banco estuda uma forma de devolver o valor ao governo. A lei federal de incentivo à cultura surgiu em 1991, quando tinha o nome de Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), na gestão do presidente Fernando Collor.
O MBL alega que a exposição faz apologia da pedofilia e zoofilia. A coordenadora do MBL, Paula Cassol, não visitou a exposição e nega qualquer tipo de censura. Segundo o curador Gaudêncio Fidelis, o movimento divulgou imagens tiradas do contexto da exposição. São 263 obras no total, incluindo pinturas de Cândido Portinari e Alfredo Volpi, e pelo menos três são alvo de polêmica. “Não tem explicação a maneira como eles distorceram as obras, tirando de contexto. Eles pegaram um detalhe e dizem que é uma pintura. Não é, é uma parte”, disse Fidelis a VEJA . O movimento enxergou zoofilia na obra Cena de Interior II, de Adriana Varejão (ver abaixo). Um pedaço da pintura foi destacado e compartilhado nas redes sociais. “A pintura revela o processo destrutivo do colonialismo no Brasil, que envolve algumas questões de sexualidade”, explicou o curador à reportagem.
“Ela mostra o avanço da pintura brasileira como manifestação crítica diante do processo de colonização do país. Trata-se de uma pintura que cobre um considerável território na confluência entre sexualidade e história, revirando (literalmente) as hierarquias de raça, influências, miscigenação”, diz o texto do catálogo da exposição.
Em nota, o Santander diz que está “comprometido com a promoção do debate sobre diversidade e inclusão, entre outros grandes temas contemporâneos” e pede desculpas aos grupos que se sentiram ofendidos.
A obra que o MBL acusa de pedofilia é a que faz referência ao meme Criança Viada, conhecido e apreciado pela comunidade LGBT (imagem abaixo). ” Isso aqui é praticamente prostituição infantil”, diz um simpatizante dos movimentos contra a exposição em um vídeo que circula nas redes sociais. Porém, o significado atribuído pela curadoria é diferente. A obra Travesti da Lambada e Deusa das Águas, de 2013, de autoria de Bia Leite, “desmascara o preconceito e a homofobia através de uma iconografia da cultura pop”, diz a explicação do catálogo.
Risco de agressão
Um dos motivos para o encerramento da mostra também seria as agressões causadas por integrantes do MBL aos visitantes do centro cultural e o risco de dano às obras. Segundo o curador, os visitantes eram xingados dentro das dependências do Santander Cultural. “Eles entravam aos gritos, abordando o público, crianças e adolescentes, dizendo coisa que eu não teria coragem de repetir aqui. É nível de fanatismo, loucura, sem precedentes”, relatou Fidelis a VEJA.
Ministério Público
A promotoria do Rio Grande do Sul visitou a mostra na última segunda-feira para averiguar qualquer irregularidade após os protestos do MBL que alegam exposição de crianças ao conteúdo da mostra.Os promotores de Justiça foram recebidos pelo vice-presidente executivo do Banco Santander, Alexandre D’Ambrosio; pelo superintender executivo, Luis Ricardo de Souza; pelo superintendente executivo Rede Sul, Paulo Rogério Souza Silva; e pelo coordenador geral do Santander Cultural, Carlos Eugênio Trevi.